25 outubro 2006

tempos modernos

há duas coisas na vida de que não podemos fugir. nenhuma delas é a boçalidade. e nenhuma delas se chama banalidade.
a leitura dos jornais do dia é um hábito saudável - um exercício mínimo de cidadania. não temos que ver, não temos que ler, mas temos que viver. vivemos aqui e agora e se o homem é ele próprio e a sua circunstância, convém olhar para esta, nem que seja de forma bissexta. a imprensa diária ainda bate aos pontos os outros meios - no sentido clássico do termo 'meios'. mas porque razão a imprensa portuguesa se enche de banalidade atrás de banalidade ? notas soltas, a partir deste observatório amador que sou eu próprio:
1. a imprensa popular, tablóide ou proto-tablóide, tem o seu lugar. pode não ser à nossa mesa, mas isso não quer dizer de que não haja uma lógica sociológica a montante e um modelo de negócio a juzante. tem o seu lugar, portanto, mas contribui residualmente para a construção de um 'novo país novo', de uma 'nova mentalidade nova', de um cidadão comum mais informado, no sentido em que a informação é articulável e transposta para o plano do pensamento e acção individual, para o domínio relacional e para a esfera de intervenção pública. não a inventámos, ela vive por si, expande-se naturalmente - fast-food mediático, mais ou menos folha de alface, com o qual temos que conviver.
2. a imprensa popular gratuita. viajar por lisboa e ver, nas paragens de autocarro, nas filas de trânsito, exércitos de concidadãos a manusear as suas folhitas envergonhadas, dá-me sempre vontade de recuperar aquele outro tempo em que "ler a Bola, era aprender bom Português". Ou seja, entre a suspeita de que é "isto ou nada" e o sentimento de que os jornais gratuitos representam papel a mais em geral (para o ambiente, por exemplo) e papel a menos em particular (para o indivíduo)... o meu intelecto balança. por mim, vão bem com castanhas assadas, ainda que, perante certas notícias ou certos tratamentos pseudo-noticiosos, seja melhor sujar as mãos com o tradicional carvão. a bem da pátria.
3. a imprensa dita de referência. para além de ser pouca, em número de títulos, remete-nos para o 'centrão', o 'mainstream', 'o óbvio ululante' de que falava alguém. apontar para o meio, usar caçadeira com elevada dispersão de tiro, é uma forma estatísticamente (e económicamente) rentável de se atingir um número elevado de sujeitos. de fazer vítimas, exacta e apropriadamente. não está mal de todo, entende-se. mas onde será que pára a inteligência, a criatividade, o punch certeiro e factual em vez do constante opinómetro vazio e supostamente moderno ? também não nos safamos por aqui, tanto na sua vertente diária como semanal. 'sol a mais' é de desconfiar, 'qualidade expresso' também. 'mais diários (colunistas e afins) menos notícias' (factos, análises, reportagens, surpresas relevantes), 'menos público informado e bem formado'.
4. a imprensa desportiva. conhecem as palavras coragem, independência, rigor ? pois.
5. a imprensa de nicho, dita especializada. não nos pronunciando sobre a dita - por falta de conhecimento de causa e porque, por natureza, é aceitável que deva, em tese, obedecer a canônes mais latos - excepto no que toca a deontologia e work ethics -, é curioso constatar que tudo estaria melhor se toda a nossa outra imprensa fosse catalogável como imprensa de nicho. no fundo, uma grande constelação de pequenas realidades, pequenas publicações, pequenas ambições, pequenas qualidades. num país pequenino e coitadinho, não se podendo fazê-lo crescer, encolhe-se a sua imprensa. lei da procura e da oferta, vem logo no início de qualquer manual de economia. com e. que a outra, a com E, não vem nos manuais.

conclusão: eu leitor me confesso, faz-me falta uma pátria feita de leitores livres em cada esquina. fracos jornais fazem fraca a forte gente?; ou fraca gente faz fracos os fortes jornais ?

e ainda não chegámos a um tema importante - a liberdade de imprensa. a seu tempo.

enfim, uma flor de inverno. ou o inverno em flor, em todo o seu (triste) esplendor.