15 janeiro 2007

inquietação subliminar

1. o facto

ontem, ao passar os olhos pelo jornal, deparei-me com a (já habitual) cobertura noticiosa da actividade dos movimentos 'pelo sim' e 'pelo não' relativamente ao referendo de fevereiro.

chamou-me a atenção uma foto, tirada a partir da 'mesa de honra' de um encontro de simpatizantes do não. o plano foi captado abrangendo as costas dos 3 palestrantes de ocasião (descortinavam-se 2 cavalheiros ladeando a Laurinda Alves); depois da mesa, ao fundo e de frente para nós, a audiência daquela sessão de esclarecimento. que víamos nós na audiência ? dezenas de mulheres, classe média-alta provavelmente, arriscaria que com mais de 50 anos, na sua larga maioria.

2. a inquietação

uma lei, e principalmente uma lei desta natureza (simpatize-se ou não com o facto de poder haver legislação sobre uma questão de consciência), afectará potencialmente mais do que uma geração. daqui decorre que todos os cidadãos terão, penso, direito a exprimirem a sua posição (com significativa probabilidade de se tornar vinculativa), não obstante serem ou não pais ou desejarem ou não (ou poderem ou não) vir a ser pais - porque afectará os seus filhos, porque pode vir a afectar eventuais filhos (mesmo que agora não 'planeados'), porque afectará a comunidade no que tem de mais basilar (auto-sustentabilidade, cidadania, etc.). não vale a pena lembrar o triste episódio do Francisco Louçã, de certa forma caindo na hábil argumentação do Paulo Portas, afirmando que este último, não sendo pai, não podia exprimir-se sobre este mesmo tema - é claro, pelo menos para mim, que a democracia não deve ser de geometria variável - tem riscos e limitações, mas, como dizia o outro, ainda é o melhorzinho que podemos encontrar.

isto para dizer que, não obstante achar que todos temos direito a exprimir a nossa posição, não deixo de achar perturbante:

- a consistência sociológica daquela audiência fotografada (tira representatividade, entendem ?);
- o facto estatístico e político de, em tese, o 'sim' ou o 'não' poderem tornar-se vinculativos (em termos de despenalização da IVG até às 10 semanas, que é o que estamos a discutir) em virtude de votos de pessoas que já não estão 'em idade fértil' - desculpem-me a relativa crueza da expressão - (tira legitimidade, entendem ?);
- a demagogia serôdia, altamente manipulatória e desonesta, que vejo apresentada em certas tomadas de posição (e posso adiantar que a encontramos em ambos os campos, ainda que, na minha modesta opinião, o lado mais conservador use e abuse da mesma com franca vantagem..).

quem me conhece, sabe que não gosto de discutir publicamente assuntos de índole pessoal, em matérias de costumes, religião, política. mas, às vezes, o que vamos vendo não nos permite ficar simplesmente calados, em mero diálogo com as nossas vozes interiores.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Acho que perante um assunto que "mexe" tanto a nossa consciência, e vendo a forma disparatada como alguns movimentos invocam os seus princípios como os "correctos", acho que nenhum de nós deve permanecer calado. Falo por mim, que nos últimos tempos tenho dito e escrito coisas que provavelmente não o faria se fosse um assunto menos essencial do que este.

segunda-feira, janeiro 15, 2007 3:27:00 da tarde  

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