27 fevereiro 2007

apontamentos musicais (correcção!)

os meus ainda rudimentares conhecimentos informáticos (e a falta de equipamento - que 'o material tem muitas vezes razão', como diria um pintas certificado..) por vezes causam estas coisas: parece que algumas das faixas musicais hoje colocada 'em linha' afinal não estavam operacionais.
ao fim de algumas tentativas, resolvi proceder às seguintes afinações/substituições, face ao alinhamento original:
1). the avalanches, 'since i left you' (engines on!)
2). the go! team, 'ladyflash' (engines on!)
3). nick drake, a original 'northern sky' foi substituída por 'one of these things first'
4). the cure, 'want' (engines on!)
5). gil scott-heron, com muita pena minha, lá tive que substituir a belíssima 'lady day and john coltrane' pela panfletária 'the revolution will not be televised' (dado o carácter cada vez mais subversivo da mesma, espero não ir preso!)
6). um brinde clássico: acrescentei uma faixa de marvin gaye (outro que 'está lá'), a mui doce 'mercy, mercy me', normalmente conotada com uma espécie de consciência ecológica antes do tempo.

as minhas desculpas pelos (involuntários) lapsos técnicos.

tudo o que ficou por dizer

tudo o que ficou por dizer
porque de repente
era a hora do combóio
ou um telefone longínquo tocava
ou um qualquer acidente aconteceu.

tudo o que ficou por dizer
porque o pudor calou a voz
porque um orgulho surdo a interrompeu
porque as palavras talvez já nem chegassem
ou era tarde
e o cansaço aos poucos foi levando a melhor.

tudo o que ficou por dizer
porque a dor doía em demasia
e era necessário que as palavras
fossem capazes de ser claras como o ar
porque as palavras traem
como gumes de facas que nos cortam.

tudo o que ficou por dizer
porque a tristeza apertou tanto a garganta
que nenhum som saía
nem o olhar continha
em desespero
uma lágrima ainda assim contida.

tudo o que ficou por dizer
porque o tempo urgente
se esvaía
e de repente já não estava
no lugar a quem havia que o dizer
quem ainda há pouco nos ouvia.

tudo o que ficou por dizer
e tudo
o que ficou por dizer
ou tudo
sempre
por dizer.

bernardo pinto de almeida

uma flor, in memoriam

seria hoje o teu aniversário.
um beijo, avô.

apontamentos musicais

como começa a ser hábito, há novidades (musicais) do lado direito do vosso monitor..
5 faixas, sem grande coerência, mas que talvez possam servir de pistas para que façam o vosso próprio caminho de investigação musical (actividade que pode ser muito recompensadora!).

1.) e 2.) as duas primeiras faixas, a cargo dos the avalanches e dos the go! team, respectivamente, são exemplo paradigmático de um estilo híbrido de música que usa, de forma extremamente sensorial, técnicas de 'cut & paste' próprias da modernidade (falar em hip-hop é obrigatório, mas há muito mais matéria-prima por aqui), para nos apelar ao corpo. são, ambas, faixas que nos empurram para a pista de dança, seja ela real ou sugerida. são também músicas hedonistas, caleidoscópicas em certa medida. há uma capacidade de 'criar alegria e bem-estar' que tem tanto de manipulatória (na técnica) como pura (na intenção de induzir bem-estar). experimentem ouvir, bem alto. depois, digam coisas!

3.) num registo abissalmente diferente, trago-vos uma faixa de nick drake, a qual foi já o rastilho para a escrita de um post aqui neste 'jardim de inverno'. nick drake não é para todos os dias, mas quando nos sentimos nick drake, percebemos que há cometas que só podem ser cometas - este deixou-nos 3 álbuns de estúdio e um desalento que ainda hoje magôa quem escuta. porque sou vosso amigo, a faixa que seleccionei até é bastante positiva.. (será?).

4.) mantenho, da última selecção, os the cure, com a faixa 'want' - ilustração fluente do lado negro (tão desconhecido) que estes 'rapazes que não choram' cultivaram durante grande parte da sua carreira. eu humildemente confesso que foi uma descoberta recente, que devo a um amigo melómano, e que me vem conquistando, pé ante pé.

5) finalmente, mr. gil scott-heron, herói fundador da 'spoken word', sobre o qual tive também já oportunidade de escrever um post. é uma canção que, como escrevi na altura, é para ouvir de cabelos ao vento, som bem alto, inundado-nos de uma espécie de luz, quando as nuvens pairam ameaçadoras.

espero que gostem!

25 fevereiro 2007

2 palavras prateadas

num post recente (http://estadocivil.blogspot.com), o sempre sombriamente esplendoroso pedro mexia trouxe-nos, de novo, essas outras palavras mágicas: silver jews.

ouvidos e coração ao alto, rapazes.

os 10 mandamentos para gilbert & george

citando o suplemento 'ipsilon', jornal 'público', sexta-feira, 23 de fevereiro:

i. lutarás contra o conformismo
ii. serás mensageiro da liberdade
iii. farás uso do sexo
iv. reiventarás a vida
v. atingirás a alma
vi. darás o teu amor
vii. criarás arte artificial
viii. terás um propósito
ix. não saberás exactamente o que fazer, mas fá-lo-ás
x. darás algo em troca

publicado pela primeira vez em 1995, editora janninck, paris, 299 cópias

(quando te perguntarem para que serve a arte, responde: 'para nada'. diz ao teu interlocutor que preferes 'a densidade mística dos 10 mandamentos' e cita gilbert and george, substituindo, no 3-º mandamento, 'sexo' por 'coração'. verás então que de perigoso subversivo, passarás a idealista tolerado - poeta, crente ou diletante, inócuo em todo o caso e já não ameaçador. apenas um pouquinho de twist e amigos como dantes!)

23 fevereiro 2007

) bom fim-de-semana (

em branco, absolutamente em branco.

22 fevereiro 2007

diospiros

há frutos que é preciso
acariciar
com os dedos com
a língua

e só depois
muito depois

se deixam morder.

jorge de sousa braga,
in 'balas de pólen'

devolver com delicadeza

'Trata-se do meu clássico assalto. O moço que me assaltou, disse: "Rápido, rápido, passe toda a grana que eu saí da cadeia e tô varado de fome". Daí, eu revirei a bolsa todinha, mas só achei duas notas de cinco reais. Estendi-lhe o dinheiro e disse: "Ixi, eu só tenho isso, acho que não vai dar nem para você comprar um lanchinho..." O moço olhou para mim com uma baita estranheza e perguntou: "Você tem dinheiro pra voltar pra casa?" (Perceba o ladrão preocupado comigo, eu preocupada com ele e nós dois tentando cuidar um do outro, cada um à sua maneira). Eu disse: "Não, mas pode ficar!". Ele respondeu: "Não! Não é porque a gente é maluco que tem de ser egoísta! Cinco reais para mim e cinco para você!" Eu voltei para casa tão feliz! E acho que ele foi comprar um salgado e (meio) pingado, feliz da vida também :-) '.

delicadamente citando:
http://ritaapoena.zip.net

following the rainbow

um dia cheio - escrevera.
(a chuva no exacto virar do calendário, caução de certa magia)
sonhar sob um céu azul-azulíssimo - desejara.
(coisas simples e justas)
talvez nasçam flores por todo o lado e o mundo adormeça em paz - sussurrara.
(sem aí nem aqui, antes no sítio onde se intersectam desejos-reflexo)
'permanecer' - sentira.

(uma enxurrada de sorrisos,
until the end of the rainbow,
which is a start).

21 fevereiro 2007

quase epílogo

abriu o portão grande,
de cadeados largos e de ferro,
e o esboço de cavalo
atravessou o pátio,
exército de nada a preenchê-lo.
com ele, entraram barcos:
fantasmas alteados na poeira.
sem novas, sem alvoroços leves
de chegada.
agora, com o passaporte fresco
para a luz,
a sua gentileza confundia.
mas a cera caíra dos ouvidos dela.
“permanecer”, dissera.
e aceitar as imagens
como são.

ana luísa amaral

18 fevereiro 2007

lua de papel

se eu cantasse o amor sem resultado ou sem causa,
seria mais sensata: chegava-me uma lua de papel,
um par de braços lisos, conformados

se eu cantasse o amor sem causa ou resultado,
tinha muito mais paz: fingida em lua-cheias,
seria mais sensata e decerto poeta bem melhor

assim o que me resta é lua cheia a trans
-bordar de tridimensional. a paz a falhar toda
e eu resolvida em causa a insistir papel. e amor.

ana luísa amaral
in '366 poemas que falam de amor'

trilema

na hierarquia dos valores, há lugar para uma ética do coração ?
coração e ética - combinação imoral ? ou amoral ?

querer E dever.
certo E errado.
frenesim E serenidade.

pequena chama na ponta de um fósforo,
à espera de vento.

17 fevereiro 2007

untitled #2

a doçura como forma de resistência - leu n' o livro dos subúrbios.
coração revelado.
- desta janela vê-se o mar.
- ou então são teus olhos.
um último milagre: olhar o futuro.
e do fim se fez princípio.

16 fevereiro 2007

um mergulho numa certa modernidade

abaixo encontram uma forma diferente de fazer um balanço do ano 2006, essencialmente em termos de 'modernidade & contemporaneidade musical'.
são 30 páginas (!), com uma espécie de digressão pelo(s) mundo(s) da(s) música(s) moderna(s) - provavelmente uma leitura algo difícil para não-iniciados.
em todo o caso, vale sempre a pena tentar olhar para o mundo com os sentidos reinventados, porque o mundo é (mesmo e ainda) um lugar 'em branco' - basta pensar no cruzamento de espaço e tempo, para se perceber o que quero dizer.
esta gentileza um pouco críptica é trazida até nós pela flur, pequena loja de discos que teima em lutar todos os dias por nos mostrar , à sua maneira, flores de todas as estações, flores de outras estações.
do passado ao presente, rumo ao único sítio que sempre fará sentido - o futuro aqui.
(agora sim: bom fim-de-semana!)

http://msw.planetaclix.pt/lust270.pdf

http://www.flur.pt

lembrando josé gomes ferreira (bom-fim-de-semana)

'todos os punhais'

todos os punhais que fulgem nos gritos,
todas as fomes que doem no pão
todo o suor que luz nas estrelas
todas as lanças nos dedos da reza,
todos os soluços para ressuscitar os filhos mortos,
todos os desejos nos alçapões do frio,
todas as jóias nos pescoços dos espelhos rachados
todos os assassinos que andaram aos colo das mães,
todos os atestados de pobreza com lágrimas de carimbo,
todos os murmúrios do sol no quarto ao lado à hora da morte
tudo, tudo, tudo
se condensou de repente
numa nuvem negra de milhões de lágrimas
a humilharem-me de ternura
eu que quero ser alheio, duro, indiferente
enquanto os outros dançam, cantam, bebem,
vivem, amam, riem, suam
neste pobre planeta
magoado das pedras e dos homens
onde cresceu por acaso o meu coração no musgo
aberto para a consciência absurda
deste remorso sem sentido.

josé gomes ferreira

(humilhação de ternura, coração cercado por musgo, consciência impotente - remorso sem sentido, remorso consentido, remorso bem sentido..)

isto não é isto - isto é o que fica; mas o que fica é muito mais do que isto

snack-bar restaurante maçã verde
r. caminhos ferro 84 1100-108 lx
cont.501234330 tel.218868780
c.r.c.l. n.1879 livro c-141
capital social 5000 euros
-----------------------------------
01 maquin 1 01 empregado 1

nome:
n.contr :
morada:

artigo: preço iva
------------------------------------
refeição 54,00 12%
------------------------------------
total 54,00
------------------------------------
iva b 12,00 % 5,79
iva total 5,79
------------------------------------
cartão 54,00
v.dinheiro:5253 artigos 1
sexta 16 fever.2007
processado por pos
iva incluído 12%
sistemas evolutivos de registo
------------------------------------

untitled #1

queria de ti um país de bondade e de bruma
queria de ti o mar de uma rosa de espuma.

mário cesariny

15 fevereiro 2007

agora:

barcos ou não
ardem na tarde

no ardor de verão
todo o rumor é ave

voa coração
ou então arde

eugénio de andrade

13 fevereiro 2007

metafóricas magnólias magníficas

'magnólias'

esqueceram-se das folhas
tão grande era a pressa
de florirem

jorge sousa braga

da necessidade

'legenda'

nada garante que tu existas
não acredito que tu existas
só necessito que tu existas

david mourão-ferreira

12 fevereiro 2007

autobiografia II (através dela)

'auto-retrato'

para onde quer que vá
já lá estive
o que quer que faça
não posso decidir
quem quer que eu ame
é uma parte
por muito que morra
fico com vida.

eva christina zeller
in: http://poemasdoutros.blogs.sapo.pt

autobiografia I (através dele)

'autobiografia'

meus sapatos são canetas.
não deixo rastros,
deixo letras.

meus caminhos são poemas.
não deixo lágrimas,
deixo tremas.

assim vou andando
na minha estrada de papel,
pendurando as estrelas
num cordel.

olegario schmitt
in: http://poemasdoutros.blogs.sapo.pt

cortesia(s) da casa..

os mais observadores (e os mais habituados a estas coisas dos blogs) já decerto repararam que introduzi uma pequeno 'extra feature' no blog. desde há alguns dias que podem encontrar, na coluna de navegação que fica do lado direito, uma pequenina barra, que mais não é do que o 'comando gráfico' que permite aceder a uma faixa musical por mim escolhida.
prometo, na medida das minhas possibilidades e da riqueza do catálogo associado ao (miraculoso!) 'software' que permite esta pequena delícia, fazer uma actualização mais ou menos regular. tentarei, desta forma, mostrar mais algumas das coisas bonitas que gosto de ter a meu lado, no dia-a-dia.

e porque gosto (muito) de dar prendas, aqui fica mais uma:
http://musicovery.com
divirtam-se a explorar os caminhos e as associações musicais que este 'brinquedo' nos permite descobrir e percorrer, de forma extremamente intuitiva!

11 fevereiro 2007

reflexo de um reflexo

'reflexos'

olho-te pelo reflexo
do vidro
e o coração da noite

e o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:

o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,

invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.


ana luísa amaral
in 'anos 90 e agora'
quasi edições

09 fevereiro 2007

e ainda..

''no livro «slaughterhouse 5» (kurt vonnegut),
billy pilgrim diz que foi raptado
por extraterrestres de tralfamador em 1967:
'a coisa mais importante que aprendi
em tralfamadore foi que quando uma pessoa morre
apenas parece morta.
continua bem viva no passado,
por isso é idiota as pessoas
chorarem no seu funeral.
todos os momentos, passados, presentes e futuros,
sempre existiram e sempre existirão.
em tralfamador eles olham para todos os diferentes momentos
tal como nós olhamos para as montanhas rochosas, por exemplo.
eles conseguem ver a permanência desses momentos,
e podem olhar para qualquer momento que lhes interesse.'
billy começou a sentir-se deslocado no tempo
mesmo antes desse encontro,
que só veio legitimar a sensação de que tudo é possível
em simultâneo.''

in flur mailing LUST #278 09 fevereiro 2007

ora digam lá que não é uma bela ideia ?
'tudo possível em simultâneo';
'a permanência dos momentos';
o domínio do tempo, finalmente..

'segundo gato' (e bom fim-de-semana!)

em cada gato há outro gato
um pouco menos exacto
e um pouco menos opaco.

um gato incoincidente
com o gato, iridiscente,
caminhando à sua frente

ou ao seu lado,
o espírito alado
do que é terrestre no gato.

é o segundo gato
que permanece acordado
quando o gato está afundado

no seu sono abstracto,
aos seus pés enrolado,
espécie de gato do gato.

ou que, mais tardo,
deambula pela sala
enquanto o gato se lava,

às vezes assomando
nos olhos do gato
como um passado imóvel e enclausurado.
o próprio gato
não sabe

que anda por ali
algo que não cabe
dentro nem fora de si.

manuel antónio pina

boooooooooommmmm diiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaaa !

voar pelo céu todo
e ser mais que
feliz.

ana luísa amaral

08 fevereiro 2007

a infância soletra-se a-m-o-r

própria do interior do país.
propícia a valorizar laços humanos, traços de pertença, amizades para a vida, contacto com a natureza, valorização da diferença e da humildade, força do cimento familiar, etc, etc.

segundo as minhas irmãs:
- os carrinhos de esferas... :)
- bons tempos... tempos de milo, ovomaltine, botas colibri, madonas, carrinhos de esferas, brincar nas jaulas das galinhas, comer broa a sair do forno de lenha... ir de bicicleta ou a pé a casa dos amigos, jogar à bola... :)
- saltar ao elástico, jogar à bola à frente de casa, ir a pé para a escola na companhia dos pinheiros, chegar a casa às três horas depois de uma viagem na "baleia" ou no autocarro do sr. nélson, jogar zx spectrum, lanchar batidos de chocolate, lanchar no jardim tipo piquenique, fazer linhas telefónicas de lã, casas de lençóis, e que mais?... :)
- ver a 'candi candi'... :)

foi também:
- comer pão com doce de abóbora e nozes :-)
- jogar dias a fio, semanas a fio, 'petróleo', 'obras de arte', 'bolsa' :-)
- jogar futebol a chover ou com frio quase negativo :-)
- andar de motorizada pelos trilhos das serras, aprender a andar, ensinar a andar :-)
- sonhar com o que seríamos hoje :-)

foi assim. e foi muito mais. foi uma inundação de vida.
obrigado por terem lá estado, a meu lado.

07 fevereiro 2007

these pretty little things that keep us alive

'já nasceu o andré. é lindo e está bem.'
7 de fevereiro de 2007, 18:21:24

parabéns mamãL! parabéns papáR!
- bem-vindo pequenoA!

(é tudo; e é MUITO!)

05 fevereiro 2007

vale a pena: ver

http://www.littlechildrenmovie.com

a propósito:

'Chega hoje às salas um dos mais impressionantes filmes do recente cinema americano. Impressionante em sentido literal — impressiona olhar, assim, para um mundo de rotinas e banalidades, nele acabando por descortinar os movimentos convulsivos dos desejos, as feridas vivas dos amores vividos, imaginados ou nunca revelados. Little Children — ou, segundo o infeliz título português, Pecados Íntimos — talvez se possa resumir como o labirinto de dois casais que, por assim dizer, se cruzam e decompõem através de um jogo em que a contemplação das crianças desempenha um papel fundamental.Todd Field (actor/realizador de quem víramos, em 2002, o também fabuloso In the Bedroom/Vidas Privadas) filma esse labirinto e as suas muitas formas de infantilização, incluindo, claro, as que os adultos adoptam para si próprios e para as suas relações. O seu trabalho consuma uma espécie de viragem "do avesso" do melodrama clássico: trata-se de filmar uma vida de regras e aceder às suas infinitas excepções. É, além do mais, um filme de actores em estado de graça (...): Kate Winslet e Patrick Wilson parecem habitar um universo surreal em que todos os afectos seriam transparentes — Little Children é um conto cruel sobre essa ilusão.'

joão lopes, in http://www.sound--vision.blogspot.com, quinta-feira, 1 de fevereiro

..

o primeiro GRANDE filme visto por mim em 2007.
senti-me lá, encurralado como 'eles' - virado por dentro, sem dar por isso.
não há muitos filmes assim.
a suavidade letal, a banalidade letal. uma desalegria, como aquela chuva mansa que nos molha docemente, enquanto nos enregela e perfura os ossos.

02 fevereiro 2007

(bom fim-de-semana)

'é difícil deparar com as notícias na poesia.
mas morrem homens todos os dias
por falta do que na poesia se pode encontrar.'

william carlos williams

fractais

'amigos são aquelas pessoas raras que nos perguntam como estamos e depois ficam à espera da resposta.'
- e. cunningham

'só viver é insuficiente, disse a borboleta. precisamos de sol, de liberdade e de uma pequena flor.'
- hans christian andersen

'amarra a tua carroça a uma estrela.'
- ralph waldo emerson

01 fevereiro 2007

estória com sotaque

o homem, recentemente indultado (natal tropical é assim) pelo presidente daquela república - indultado e brasileiro -, não chegou a gozar um dia inteiro sua recém-devolvida liberdade.
no mesmo dia em que a prisão o largou, foi apanhado pela polícia - por denúncia anónima (e de voz sumida), alguém comunicou um pequeno roubo de igreja.
confrontado com a evidência material - material e de bom corte - do seu gesto, o moço alegou em sua defesa: ' a vítima não apresentou queixa (e posso provar!). além disso, que tempos são estes em que um homem não pode mais fazer um esforço extra para melhor se apresentar junto da sua amada ? onde pára o cavalheirismo ?; para onde foram todas essas maneiras gentis qu'a gente aprendeu olhando o cine clássico no telão de domingo à tarde ?'.
'raio de profissão rolou pr'a mim!' - ruminou o polícia que o algemou (algemando-se a si próprio, de certa maneira). 'roubar fato a defunto dá boa chapa na capa de jornal, é certo. mas prender o cara é golpe baixo - afinal, a vítima não se queixou; o aparente-e-reincidente criminoso foi antes vítima do seu amor e da sua esforçada pose.. mas que sentido faz tudo isto ?'.
'jorge - porque foi você fazer besteira, logo agora, logo agora??!??!!?' - soluçava a mulher de traços tristes, sentada numa cadeirinha na sala de visitas da penitenciária estadual, dias depois.
'sereia, não esquenta, não! o próximo natal vem logo aí. e você havia de ver o bonito que eu 'tava. para você, sereia! que homem qu'é homem arruma-se pr'a sua mulher, como se todos os dias fossem domingo. e, pr'a falar verdade, ia jurar que o cara lá me piscou o olho do caixão, me dizendo: 'oh rapaz, você aí, tranquilo, que não vou mesmo precisar do paletó! e assim sempre deixo mais um bocadinho de mim pertinho de uma mulher bonita. um pequeno consolo para minha longa viagem. um dia você vai entender, moço, quer apostar?'.
o objecto do roubo já não foi devolvido ao seu legítimo mas inconsequente proprietário - voltar a vesti-lo era agora uma improbabilidade. remetido para a quermesse social da polícia, foi arrematado por um sujeito que mordia palavras baixinho: 'raio de profissão esta, que rolou pr'a mim..'.