30 março 2007

a hora mais exacta (bom fim-de-semana)

imagens
que voltavam devagar,
se encostavam a ela sem pudor.
e no silêncio, a esfinge impenetrável,
sabendo-lhe de cor o coração:
desistente dos barcos,
depondo pelo chão de outros palácios
as armas mais preciosas.
“não posso”, acrescentara
sentindo aproximar-se a hora
exacta.

ana luísa amaral,
in 'imagens', editora campo das letras, 2000

26 março 2007

g(raffit)i

esperarei no fio dos dias
pelo tempo do diospiro.
esperarei pelo sabor acre-dourado,
pelo seu perfume ternamente doce.
esperarei pelo fruto-teu,
primaveras mil em flor.
esperarei por ti,
e pelo amor.

25 março 2007

este rio que arde em mim

aqui estamos,
bloqueados por este rio,
tu e eu sob o céu descendente.
atravessando o dia
oceano de espera,
esquecendo ao que viemos.
falas comigo - falas para mim -
a partir da distância em que te guardas da vida;
e eu respondo-te - falo contigo -
com impressões de outro tempo.
dizes passado; grito presente.
choras presente; sonho futuro.

este rio de saliva,
e lágrimas.
e esta estúpida e ingovernável alegria.

[a partir das palavras de brian eno ('by this river')]

21 março 2007

a minha prenda de primavera (sim, ainda é possível cantar assim)

no further comments.
just watch.

http://www.youtube.com/watch?v=jQAvflPexng

o filme de todas as estações

primavera

a chegada da primavera tem, para um jardim que se diz 'de inverno', um simbolismo muito próprio. fim de ciclo ? início de outro ciclo ? ou, pelo contrário, perpetuação da continuidade, passe a redundância ? tudo tem que mudar para que tudo possa ficar na mesma ?

as flores de inverno sabem o seu lugar e estão cientes de que, desde o princípio do princípio dos tempos, têm que repartir o seu espaço com flores de primavera (e de verão, quando for altura própria).
demos, pois, com naturalidade e alegria, lugar à primavera.

vamos ver o que nos trazem estes renovados ares primaveris. esperemos que flores, muitas flores. seria bom uma explosão de flores delicadas e luminosas, uma inundação de luz clara e transparente.

boa primavera, para todos!

e lembrem-se sempre:
uma andorinha FAZ a primavera.

20 março 2007

untitled #8

manhã que na manhã tarda:
dia e noite
na praia escura.

praia de que resta o mar,
mar de que resta a espuma
- ou então, que digo,
resta coisa nenhuma.

heart shaped post

'desato'

às vezes invento
outras vezes desgraço

desbravo os sentidos
castigo ou desato

deponho o que sei
acrescento o que faço

às vezes construo
outras vezes desfaço

'sentidos'

eu ouso a paixão
não a recuso

escuto os sentidos sem o medo por perto
troco a ternura da rosa
ponho a onda no deserto

a tudo o que é impossível
abro e rasgo o coração
debaixo coloco a mão
para colher o incerto

desembuço o amor
no calor da emboscada
infrinjo regras e impeço

troco o sonho dos deuses
por um pequeno nada

desobedeço ao preceito
e desarrumo a paixão
teço e bordo o meu avesso
e desacerto a razão

'vulnerável'

tiro o resguardo do peito
entreabro o seu postigo
destranco as portas da alma

derramo a luz e o leite
deixo a noite onde era a calma
a casa aberta ao ladrão
sou vítima do que persigo

dou-te as chaves se me pedes
escrevo do cofre o segredo
sou a sombra do meu medo
mas o meu susto desdigo

chamo os linces que farejam
o sangue a dor e o vento
trago os chacais rastejando
por dentro do sofrimento

maria teresa horta
in 'inquietude', edições quasi, 2006

19 março 2007

reach for the sun!

light and day is more than you’ll say
cause all
my feelings
are more
than i can let by
or not
it's more than you’ve got
just follow the day
follow the day and reach for the SUN!
you don’t see me fly into the red - one more you’re done
just follow the seasons and find the time
reach for the bright side
you don’t see me fly into the red - one more you’re nuts
just follow the day
follow the day and reach for the SUN!
you don’t see me fly into the red – one more you’re done
just follow the seasons and find the time
reach for the bright side
you don’t see me fly into the red – one more you’re nuts
just follow the day
follow the day and reach for the SUN!
just follow the day
follow the day and reach for the SUN!
just follow the day
follow the day and reach for the SUN!

the polyphonic spree

'vimos a luz à hora do almoço com the polyphonic spree, em directo para a televisão. com duas baterias, coro de 9 vozes femininas, metais, harpa e outros instrumentos, o colectivo de dallas não é apenas uma banda... é uma religião.'

pedro ramos & tiago castro, no relato da aventura 'south by southwest'
in http://www.blogradar.blogspot.com

uma frase que ficou

'a capela sistina também passou por obras profundas e ficou belíssima.'

18 março 2007

(re)lembrando um filme único (e mágico): 'waking life'

o meu amor anda na fama

o meu amor anda em fama
mesmo assim lhe quero bem
os olhos do meu amor
não os vejo em mais ninguém

eu nunca pensei na vida
vir um dia a encontrar
a minha vida escondida
dentro do teu olhar

eu bem sei que me desdenhas
mas gosto que seja assim
que o desdém que por mim tenhas
sempre é pensares em mim

se algum dia me deixares
meu amor por caridade
entre as coisas que levares
leva também a saudade

joão ferreira rosa, joão mário veiga, fernando pessoa, carlos conde
na voz de camané

untitled #7

de manhã escureço
de dia tardo
de tarde anoiteço
de noite ardo.

..

ai, quem me dera terminasse a espera
retornasse o canto simples e sem fim
e ouvindo o canto se chorasse tanto
que do mundo o pranto se estancasse enfim

ai, quem me dera ver morrer a fera
ver nascer o anjo, ver brotar a flor.
ai, quem me dera uma manhã feliz.
ai, quem me dera uma estação de amor

ah, se as pessoas se tornassem boas
e cantassem loas e tivessem paz
e pelas ruas se abraçassem nuas
e duas a duas fossem ser casais

ai, quem me dera ao som de madrigais
ver todo mundo para sempre afim
e a liberdade nunca ser demais
e não haver mais solidão ruim

ai, quem me dera ouvir o nunca-mais
dizer que a vida vai ser sempre assim
e, finda a espera, ouvir na primavera
alguém chamar por mim.


vinicius de moraes

desrazões

vem depressa, são já
três da tarde.
quero revelar-te
um segredo. tenho o dia
pela metade.

..

não quero que me faltes
na penumbra, não quero
que ao ardor se junte
qualquer senão

deito ao desvario,
cinzas, enredos,
paixões,
a solidão,

e nem creio entender
a vida
rectilínia. só em solavancos,
entre o inverno, o outono,
e o verão.

helga moreira, in 'desrazões'
edições quasi, 2002

untitled #6

escrevo para gastar o desespero.
ou então o coração.

untitled #5

] good times for a change see, the luck i've had can make a good man turn bad so please please please let me, let me, let me let me get what i want this time havent had a dream in a long time see, the life i've had can make a good man bad so for once in my life let me get what i want lord knows, it would be the first time lord knows, it would be the first time [

the smiths

15 março 2007

he-the-wandering-i

the road is too long
the sky is too vast
the wandering heart
is homeless at last

...

the old are kind
but the young are hot
love may be blind
but desire is not

...

i long to hold some lady
for my love is far away,
and will not come tomorrow
and was not here today

there is no flesh so perfect
as on my lady's bone,
and yet it seems so distant
when i am all alone:

as though she were a masterpiece
in some castled town,
that pilgrims come to visit
and priests to copy down

alas, i cannot travel
to a love i have so deep
or sleep too close beside
a love i want to keep

but i long to hold some lady,
for flesh is warm and sweet
cold skeletons go marching
each night beside my feet

- leonard cohen.

14 março 2007

fogo sobre fogo; fogo que sabe a fogo

só tu
sabes sorrir
na vertical

nem todos os frutos vermelhos
merecem o céu da tua boca

mais do que uma vez
atravessei a primavera
de olhos fechados

escrevo
com os dedos ainda longos
da carícia

qual é a minha
ou a tua
língua?

este fogo
que só com fogo
se pode apagar

de que secreta primavera
serão as esmeraldas
a memória ?

se não fossem tão impuras
não seriam
tão belas

a paixão
da cor. todas as cores
da paixão

as trevas e a luz
caminham sempre
de mãos dadas

quem disse que as pedras
não podem
florir ?

encarceradas nas pedras
as estrelas brilham
mesmo assim

é tão difícil
manter o equilíbrio
sobre um raio de luz

em lugar de uma montanha de luz
prefiro procurar
a luz na montanha

não grites
que podes acordar
o vulcão

o diamante também sonha
poder um dia brilhar
no escuro

serão as ágatas
a forma que a terra encontrou
de sonhar ?

há coisas que só se podem ver
com o branco
dos olhos

se a encostares ao ouvido
ouve-se o mar
o que é preciso é saber escutar

a dor
de ser trespassado
pela luz

mantêm-se sempre em posição de voo
talvez um dia as raízes
as não impeçam de voar

extravasou do largo o jacarandá
com as suas flores miúdas
ocupa agora toda a manhã

uma azálea arde
arde a manhã
e a tarde

será este o lírio
que há
no delírio ?

que rosa é esta
que ninguém pode colher
sem se mutilar ?

já ninguém percorre este caminho
a não ser dois petroleiros
com os porões vazios

- jorge de sousa braga,
in 'fogo sobre fogo'
fenda edições, 1998

[acho que não é preciso dizer mais nada]

sobre música e sobre outras coisas

algumas palavras e contextualizações sobre as mais recentes musiquinhas colocadas 'em linha', à v/ direita..

the beach boys, 'God only knows' - retirada do seminal 'pet sounds', está aqui por 2 razões. porque é A canção mais importante para um dos meus radialistas de referência. a matriz, por assim dizer, a partir da qual tudo o resto se ergue. é, portanto, uma homenagem, humilde e anónima, a quem me tem mostrado coisas bonitas, coisas íntimas, coisas por inteiro (mesmo se em pequeninas fracções). a segunda razão é porque serve de exemplo acabado do que é uma música que cresce a cada audição. podemos falar das camadas sonoras sobrepostas, do magnetismo quase metafísico das palavras (e, no entanto, tão eloquentemente terrenas), das harmonias vocais inigualadas, do psicadelismo à espreita. ou então podemos fechar os olhos, colocar esta música em repeat e pensar numa pessoa - nada fica como dantes, e mais não digo.

the rolling stones, 'you can't always have what you want' - não sou apreciador dos stones, muito menos dos stones pós-80 (the great circus is not my cup of tea). mas, bem lá para trás, há coisas muito boas. esta cançãozita é pungente. e diz-me muito - '.. but if you try sometime'. i try, i try.

nina simone, 'lilac wine' - uma canção supreendente desta grande senhora (dedicada ao luis, que ainda está a recuperar da audição de anteontem). o ritmo é estranhamente rápido, o arranjo e orquestração parecem eletrónica pura.. a canção é simplesmente linda. descobria-a com jeff buckley (faixa 4, do soberbo 'grace' - sei de cor), como tanta gente. a letra desta canção dispensa palavras.. de um lirismo arrebatador. comove-me sempre, sempre, sempre.

saint etienne, 'heart failed (in the back of a taxi)' - um grupo sub-valorizado. fazem pop cristalina e límpida como poucos mais. é uma banda de singles, de cançõezitas que crescem (a maior parte mingua, estas crescem). quantos de nós não sentiram isto, a solidão do coração a falhar, enquanto sózinhos vemos o mundo a passar lá fora, inclemente para com as nossas dores ? pois é, eles souberam cantá-lo..

the clash / lee scratch perry; new order / grant lee philipps; damien rice / ana carolina & seu jorge - 3 pares de canções originais e respectivas versões. apenas e só pela graça, vejam-se os resultados.. o punk-steady-rock dos clash ganha balanço de reggae e algum groove; a electricidade muito própria dos new order transmuta-se num som mais clássico e introspectivo, semi-acústico e semi-folk de grant lee philipps (belo disco de versões, de 2006!); a emoção delicodoce de damien rice ganha alguma coisa com a simplicidade da 'versão portuguesa'. como vêem, fazer um 'camaleão de imitação' (vide rádio radar) é coisa simples ;-).

dionne warwick, 'what the world needs now is love sweet love' - uma das faixas perfeitas desenhadas pela dupla burt bacharach (música) & hal david (letra). burt bacharach passou de esquecido (e conotado com música ligeira ou dita de elevador) a referência melódica incontornável, nos anos 90, para dezenas de músicos de nomeada. apetece lembrar a máxima 'o tempo, esse grande escultor'. entre as dezenas e dezenas de hits, seleccionei esta muito conhecida canção, a que recorro amiúde quando cores mais negras se instalam. porque do que o mundo precisa é de amor, doce e terno amor.. e nós todos também.

air, 'you make it easy' - não sendo um fã dos air, gosto, ainda assim, do seu omnipresente bom-gosto e, muito, de uma ou outra coisita. desta - retirada do primeiro álbum - sempre gostei muito. e eles sabem que eu sei que eles sabem que eu sei do que é eles estão a falar..

bons sonhos!

notas avulsas

1. ontem, ao final da tarde, estive num painel de convidados (representantes do mundo empresarial, por assim dizer) cuja missão era responder a uma espécie de comissão (internacional) de avaliação de uma das nossas principais faculdades de economia & gestão, para fins de 'certificação pedagógica e de competitividade internacional'. ao meu lado, organizações tais como a PT, McKinsey, EDP, L'Óreal, Banco Espírito Santo, Associação de Bancos Portugueses - quase todas representadas ao mais alto nível. confesso que quando vi os meus 'colegas' de sessão e olhei para o inquisidor júri, engoli em seco. mas, como é meu timbre, a adrenalina empurra-me para a frente e lá fiz a abertura da sessão (em termos de ter sido o primeiro a dar o meu testemunho). às tantas, já não sabia bem se quem estava a ser avaliado era a faculdade em causa ou.. eu próprio. a constatação importante é que à saída, de braço quase dado com o ex-CEO de uma das mais influentes empresas portuguesas, pensei para comigo: 'mas que raio é que eu estou a fazer no estaminé onde presentemente trabalho' ? sou melhor tratado por pessoas que não me conhecem e são verdadeiramente importantes no meio em que se movem que por meia-dúzia de imbecis que se acham reis e senhores da minha paróquia. não me entendam mal, não estou a vangloriar-me, apenas a desabafar uma coisa óbvia para mim - há níveis e níveis, em tudo na vida. e ontem 'vi claramente visto' que, profissionalmente, tenho que seguir em frente. fim de ciclo, ponto final. parágrafo.

2. de fugida, ao passar os olhos pelo escaparate de jornais, li na capa do 'público' que a tutela alegadamente tratou com os pés o até aqui director do teatro nacional de são carlos. não sou conhecedor de ópera, mas acompanho quase tudo o que se vai escrevendo e sei, com razoável segurança, que o senhor paolo pinamonti ergueu dos quase escombros uma instituição renovada, com uma programação regular e interessante, arriscando em encenações vanguardistas bem-sucedidas e com retorno junto do público, crítica e, de certa forma, dos 'opinion makers' internacionais (que ditam o que está 'in', como bem sabemos). pois bem, estamos perante mais uma fotonovela de má índole e pior pinta. despedimento alegadamente selvagem, discursos sinuosos, meias-verdades, falta de diplomacia no trato, manipulação q.b. (a eterna questão de quanto custa ao estado cada espectador - nem me vou dar ao trabalho de desmontar intelectualmente este falacioso argumento..), etc. à portuguesa, concerteza. e lá ficamos todos mais pobres, sem dar por isso. mas o que nos vale é saber que podemos sempre contar com a tvi ('a bela e o mestre' é.. de mestre!), o festival da canção e o pujante teatro de variedades.

3. tenho andado pelos cinemas, a ver se o tempo passa mais depressa. ontem vi um filmezinho independente que tem criado um certo 'hype' - 'half nelson / encurralados'. é caso para dizer: 'half nelson, mas filme inteiro'. não sendo uma obra-prima (que não é, nem pretende ser), é suficientemente inteligente e subtil para nos fazer sorrir e pensar (curioso o nome da produtora: think films..). o protagonista tem, de facto, uma magnífica interpretação (sabiam que foi colega da britney spears no disney show americano há uns valentes anos atrás ? - pois é, as mesmas partidas dão lugar a múltiplos caminhos..), sempre no limiar entre o underacting (técnica de representação) e o underliving (aquilo que pretende representar).
ele: - i am an asshole..
ela: - no, you are not. you are just a big baby!
ele: - ok, then i am just a big asshole baby!

13 março 2007

untitled #4

‘ever tried? ever failed? no matter.
try again. fail again. fail better.’

samuel beckett

12 março 2007

untitled #3

11 março 2007

farmacopeia

[como quem vai à farmácia..

eugénio de andrade, 'primeiros poemas', 'as mãos e os frutos', 'os amantes sem dinheiro' (quasi)
helga moreira, 'desrazões' (quasi)
helder moura pereira, 'segredos do reino animal' (assírio & alvim)
filipa leal, 'a cidade líquida e outras texturas' (deriva)
maria teresa horta, 'inquietude' (quasi)
jorge sousa braga, 'fogo sobre fogo' (fenda)
ana luísa amaral, 'a arte de ser tigre' (gótica)

..mas precisa de médico.]

a minha manhã

'inquietação'

a contas com o bem que tu me fazes
a contas com o mal por que passei
com tantas guerras que travei
já não sei fazer as pazes
são flores aos milhões entre ruínas
meu peito feito campo de batalha
cada alvorada que me ensinas
oiro em pó que o vento espalha
cá dentro inquietação, inquietação
é só inquietação, inquietação
porquê, não sei
porquê, não sei
porquê, não sei ainda
há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
qualquer coisa que eu devia perceber
porquê, não sei
porquê, não sei
porquê, não sei ainda
ensinas-me fazer tantas perguntas
na volta das respostas que eu trazia
quantas promessas eu faria
se as cumprisse todas juntas
não largues esta mão no torvelinho
pois falta sempre pouco para chegar
eu não meti o barco ao mar
pra ficar pelo caminho
cá dentro inqueitação, inquietação
é só inquietação, inquietação
porquê, não sei
porquê, não sei
porquê, não sei ainda
há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
qualquer coisa que eu devia perceber
porquê, não sei
porquê, não sei
porquê, não sei ainda
cá dentro inquietação, inquietação
é só inquietação, inquietação
porquê, não sei
mas sei
é que não sei ainda
há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
qualquer coisa que eu devia resolver
porquê, não sei
mas sei
que essa coisa é que é linda

josé mário branco


rasgando as ruas de lisboa, cidade branca e dourada sob azul céu, escutando, janela aberta para a manhã, dezenas de vezes esta canção.
gentil oferta de alguém que sabe que gosto de j.p. simões (da persona e do homem; de alguma música também).

a versão do joão paulo é, para mim, superior ao original de josé mário branco. o tal do fmi; e o tal que produz, desde a primeira hora, o excelso camané. não é que 'isto anda (mesmo) tudo ligado' ?

o disco recém-lançado é um disco subtil e não exactamente fácil. na composição e nos arranjos, é absolutamente transparente a omni-presença de chico buarque - o que atesta bem a coragem do joão paulo. não é chico, mas não desmerece chico. e não parece chico quem quer; parece chico quem sabe e faz por merecer.

para além da mencionada 'cover', há 2 canções que me conquistaram. 'lili & o americano' ('eu não sei de onde sai / tanta gente a precisar de um coração / que me toma por um anjo / nem pergunta se eu desejo / a sua afeição') e a imensamente triste 'se por acaso (me vires por aí)' - uma canção estupenda, daquelas que entram peito adentro. e ficam.

http://www.jpsimoes.com/1970/letras.html

09 março 2007

all the silly frilly things

"So we meet again!" and I offer my hand All dry and English slow And you look at me and I understand Yeah it's a look I used to know "Three long years... and your favourite man... Is that any way to say hello?" And you hold me... like you'll never let me go "Oh c'mon and have a drink with me Sit down and talk a while..." "Oh I wish I could... and I will! But now I just don't have the time..." And over my shoulder as I walk away I see you give that look goodbye... I still see that look in your eye... So dizzy Mr. Busy - Too much rush to talk to Billy All the silly frilly things have to first get done In a minute - sometime soon - maybe next time - make it June Until later... doesn't always come It's so hard to think "It ends sometime And this could be the last I should really hear you sing again And I should really watch you dance" Because it's hard to think "I'll never get another chance To hold you... to hold you... " But chilly Mr. Dilly - Too much rush to talk to Billy All the tizzy fizzy idiot things must get done In a second - just hang on - all in good time - wont be long Until later... I should've stopped to think - I should've made the time I could've had that drink - I could've talked a while I would've done it right - I would've moved us on But I didn't - now it's all too late It's over... over And you're gone.. I miss you I miss you I miss you I miss you I miss you I miss you so much But how many times can I walk away and wish "If only..." But how many times can I talk this way and wish "If only..." Keep on making the same mistake Keep on aching the same heartbreak I wish "If only..." But "If only...." Is a wish too late...

the cure

08 março 2007

get it ?

'(..) e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.'

in 'um adeus português',
poema de alexandre o'neill

07 março 2007

til the sun turns black

war is not the answer
the answer is within you
war is not the answer
the answer is within you
love
love
love
love
war is not the answer
the answer is within you
love
love
love
love (repeat to end)

'within you',
ray lamontagne,
retirada do disco 'til the sun turns black'

(à v/direita, se quiserem escutar)

vai ser feriado nacional! :-)

06 março 2007

desconsolo & polaroids

por mais que me resguarde da 'realidade', ela chama-me pelo meu nome. impossível ficar indiferente a alguns polaroids destes últimos dias..

viviam sózinhos, como casal, há décadas. uma doença de nome germânico instalou-se e fez o seu impiedoso caminho nela. nos últimos anos, já em queda acentuada, ele tratava de tudo em casa; a começar por ela. para além do enorme esforço físico e emocional, a idade de ambos não ajudava. cansado e extenuado, pediu ajuda - ajuda que nunca veio. da última vez, já em desespero, pediu que o internassem a ele - só queria descansar alguns dias e podia ser que assim se forçasse uma qualquer solução - solução que não veio. sentou a mulher no sofá, cobriu-a docemente com um lençol e deixou a fiel arma de estimação falar pela última vez. falou para ela, falou para ele. e calaram-se os três.

de pé, junto ao balcão, os homens observam aquele cortejo de duas pessoas só. comentam qualquer coisa entre dentes e quase em surdina, num misto de impotência, sentido de inevitabilidade quase determinística e cobardia com caução cultural / social. encolhem os ombros e passam adiante, ao benfica ou coisa assim. sentado dissimuladamente, por entre os jornais do dia, o rapaz não acredita no que acabou de presenciar. acreditar acredita, o problema é como integrar o que pressentiu em si (dentro de si); o problema é saber já que não vai conseguir contar a ninguém aquilo com que acabou de se cruzar, quase olhos nos olhos: a violência mais estúpida e dissolvente (a do forte contra o fraco). como guardar dentro de si, sem se transformar a si próprio num poço de ódio, a imensa vergonha por ter continuado sentado, no canto, tentando (e já não conseguindo) ler as letras de jornal ?

de manhã bem cedo, o triste café - cantinho da menina, de seu nome -, parecia ainda ensonado. por entre o um torpor quase analgésico, distinguiam-se os vultos dos primeiros e fiéis clientes. seriam que horas, 7h30 ? que faziam por ali aquelas pessoas ? (melhor: que fariam fora dali aquelas pessoas ? - corrigiu imediatamente, de si para si). pobres, perdidos, à margem, na margem. dentro da cidade, mas do lado de fora. fora da cidade, mas bem no seu centro. coordenadas geográficas vãs, perante a resignação mansa da reforma miserável, do biscate de ocasião, da falta de brilho e de destino. aquela falta de alegria, o ambiente glauco, cor de chumbo quando chove, cortaram-no por dentro. ou então foi só do café madrugador. madrugador e queimado.

sonhos pop

cinzento lá fora ?
-qu'importa ? pop cá dentro !

de inglaterra, para além da 'next big thing' semanal, vêm, de vez em quando, peças de filigrana pop. coisas simples, mas que nos ajudam a sorrir.
como por exemplo:

the la's, 'there she goes'
supergrass, 'alright'
blur, 'girls and boys'
the lightning seeds, 'sense'

dancemos, pois, dia dentro!

05 março 2007

os silêncios da fala

são tantos
os silêncios da fala

de sede
de saliva
de suor

silêncios de silex
no corpo do silêncio

silêncios de vento
de mar
e de torpor

de amor

depois, há as jarras
com rosas de silêncio

os gemidos
nas camas

as ancas
o sabor

o silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.

maria teresa horta
in 'vozes e olhares no feminino', edições afrontamento

03 março 2007

fragmentos de outras estações

no final da improvisada 'juke box', isabelle antena leva-nos graciosamente pelo seu 'camiño del sol'. eram os inícios dos anos 80, eram outros tempos, mas o verão cantado é um verão intemporal - adolescência florida, lânguidez dourada, tempo sem horas. vocês sabem do que é que ela e eu (!) estamos a falar..

logo de seguida, recuperamos o rapazinho patrick wolf (com disquito novo) e uma sua canção retirada do mui aclamado 'wind in the wires' (2005): 'the libertine'.

com os cumprimentos da gerência.

02 março 2007

relembrando sophia (bom fim-de-semana)

I. 'porque'

porque os outros se mascaram mas tu não
porque os outros usam a virtude
para comprar o que não tem perdão.
porque os outros têm medo mas tu não.

porque os outros são os túmulos caiados
onde germina calada a podridão.
porque os outros se calam mas tu não.

porque os outros se compram e se vendem
e os seus gestos dão sempre dividendo.
porque os outros são hábeis mas tu não.

porque os outros vão à sombra dos abrigos
e tu vais de mãos dadas com os perigos.
porque os outros calculam mas tu não.

II. 'biografia'

tive amigos que morriam, amigos que partiam
outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
odiei o que era fácil
procurei-te na luz, no mar, no vento.

sophia de mello breyner andresen

3 novas entradas musicais

coisitas simples, para vos 'alegrar a tarde' (se for o caso):

1. uma versão do canônico 'love will tear us apart again', desta vez a cargo de susanna and the magical orchestra - um duo nórdico (norueguês, no caso), que em 2006 se entreteve a recriar diversos 'clássicos pop-rock', em cambiantes mais 'crepusculares'. para os interessados o disco chama-se 'melody mountain'.
2. emily haines (and the soft skeleton) traz-nos uma cançãozita de embalar (com algo de narcótico..), que fala de médicos, de comprimidos azuis e vermelhos. uma metafórica, esta nossa emília..

'my baby’s got the lonesome lows
don’t quite go away overnight
doctor blind just prescribe the blue ones
if the dizzying highs don’t subside overnight
doctor blind just prescribe the red ones'

3. finalmente, mais uma canção retirada desse opus magnum das azure ray, o sobremaneira excelente 'hold on love'. a faixa tem por título 'new resolution' e foi single, creio eu (em mercados mais sofisticados, claro está..).

e é tudo, por agora.
boa audição!

01 março 2007

entrei

HISTÓRIA EXEMPLAR

entrei.
— tire o chapéu — disse o senhor director.
tirei o chapéu.
— sente-se — determinou o senhor director.
sentei-me.
— o que deseja? —
investigou o senhor director.
levantei-me, pus o chapéu e dei duas latadas no senhor
director.
saí.

mário-henrique leiria, in 'contos do gin-tonic, editorial estampa

transcrito, com a devida vénia, a partir de:
http://ocafedosloucos.blogspot.com
post de 23 de janeiro de 2007

..alguma vez teria de ser!

(ver, por favor, a primeira musiquita, aqui mesmo ao lado - 'in a manner of speaking')
- menos um fantasma, disse ele.