28 maio 2007



'reviver o passado em brideshead' ('brideshead revisited') é, para não poucos, uma das melhores séries de televisão de sempre.
não me é particularmente querido o qualificativo 'melhor' - há tanta e tanta coisa notável, tanta e tanta coisa siderante (desculpem, apetecia-me escrever esta palavra..).
para mim, um miúdo a crescer na beira alta, 'brideshead revisited' foi um, como agora se diz, 'building block', nessa estrada que é a definição do gosto, da estética, dos universos que nos dizem alguma coisa de muito profundo.
descobri com o charles e o sebastian que a vida é feita de muitas cambiantes - que há relações indefiníveis, como anos depois vim a descobrir por experiência própria (falo de relações verdadeiramente indefiníveis, num plano afectivo ou até espiritual).
descobri que podemos ter em nós um gentleman mais ou menos diletante, mesmo quando a nossa circunstância faz de nós apenas um miúdo na transição dos setentas para os oitentas, numa vila modesta do interior. que todos trazemos connosco uma essência - nalguns casos nunca revelada ao longo da vida. e que, no meu caso, um certo traço elitista nasce do gosto pelas coisas bonitas, pelas coisas belas (um estádio adiante). o que é bom é belo; o que é belo é bom.
descobri que um certo sentido de perda para sempre me acompanharia. há um 'brideshead' que ficou lá atrás - o 'my own private brideshead'. e a noção - pesada - de que hoje mesmo habito um tempo/espaço que ficará inexoravelmente para trás.
descobri que a música é, das belas artes, aquela que, conjuntamente com as artes da palavra e com o cinema, mais de perto e mais profundamente me toca. o que sinto, hoje, ao escutar o genérico é ainda comoção pura. não sei bem explicar, há algo de vertigem, algo voraz que me faz oscilar entre passado, presente e futuro - mas sem ordem, como se tudo fosse presente - de forma muito intensa. arrebatamento estético, misturado com uma saudade indefinível. bom e mau, belo e agreste, tudo ao mesmo tempo. e tudo perfeitamente perceptível - não uma amálgama de sensações, estados de alma, sentimentos, mas um todo meticulosamente decomposto nas suas partes.
descobri que ética e estética são conceitos siameses.
descobri-me, no fundo, um bocadinho mais.
por isso guardo esta série de televisão naquele sítio onde guardo as coisas essenciais. e olhem, acreditem, que coisas essenciais para mim são uma caixa de livros, uma caixa de discos, uma caixa de filmes e a memória de todos os que cruzaram a minha vida e a ânsia por todos aqueles que a cruzarão. e pelos quais espero, atravessando desertos e vales, rios e montanhas.
se há um país por inventar, ao charles e ao sebastian o devo também, um bocadinho - sempre preferi bocadinhos, são mais fáceis de guardar na algibeira que todos trazemos ao coração.

era uma vez uma casa.
éramos uma vez.
sou.

conta-me outra vez como era essa casa, charles.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Et in Arcadia ego...

Muito bonito este post.

segunda-feira, maio 28, 2007 10:22:00 da tarde  
Blogger R. said...

Meu Deus gi,como me emocionei e me revi nestas tuas palavras!!claro que nunca o conseguiria definir da maneira como tu o fizeste aqui,não da maneira tão delicada,tão 'exposta'.Fez me pensar,muito!
Obrigado

segunda-feira, maio 28, 2007 11:58:00 da tarde  
Blogger Mateso said...

The little bits of nothings... the little nothings of life... how a child becomes a man , and a man hides
a child (revisited).
Long ago I used to live elsewhere
it was called the land of my birth... but now is the place of my faith.
Lindo.

terça-feira, maio 29, 2007 12:36:00 da manhã  
Blogger CNS said...

Para sempre Sebastian, Charles,Julia, Cordelia... sempre o verão lânguido em Brideshead e as primeiras chuvas em Veneza.

Belo e saudoso texto!

terça-feira, maio 29, 2007 9:24:00 da manhã  
Blogger gi said...

muito obrigado a todos pelas vossas palavras.
devo dizer que os vossos comentários rimam de forma perfeita com o que escrevi - são todos bonitos, delicados, ternos. obrigado EU.

uma saudação especial ao erudito 'anónimo'; assim como as boas-vindas ao 'mateso' e à 'cristina' - é gratificante ver que pararam um bocadinho por este jardim.

flores para todos.
gi.

terça-feira, maio 29, 2007 2:51:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

eu nem sou invejosa, mas "invejo-te". :)
tá tão bem escrito. e, mais importante, eu identifico-me com o k dizes.

segunda-feira, dezembro 29, 2008 10:38:00 da tarde  

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