09 janeiro 2008

branco, alice? rosa, alice? rosa, alice, branco; branco-rosa, alice.


A TUA PELE DESCALÇA

veio uma onda . a varrer o meu sono .
caminhava nele como caminho na areia .
nada me une ou divide. nada me retém.
sentas-te onde me sento no teu colo
e peço sempre a mesma história . a tua voz
cria as memórias que hei-de ter . por agora
caminho ao longo das gaivotas e grito como elas
quando a maré baixa . às vezes apoio-me num rochedo
para dizer “casa” e logo desmorono. sigo descalça
como tu para dizer “seguimos”. mas são apenas sons
sob o sol de maio. murmúrios do que não serei.
sempre tive problemas com o verbo ser. faço
e desfaço as malas, entro e saio das gavetas.
pausa na camisa que vestiste da última vez.
uma vontade de a amarrotar, desapertar os botões
e sentir lá dentro a tua pele cá fora.
tudo isto é tão verdade como podem ser os botões
de uma camisa escrita. confesso que não pensei na cor,
ou se era às riscas. agora acho que podia ser a de quadrados.
em qualquer delas a tua pele entra na minha.


RETRATO PUÍDO NAS ENTRANHAS

palmeiras inclinadas. ao longe o casario.
é na água que o vejo, que sinto a cidade acordar.
mais uma mulher que olha o rio. tenho as mãos desatadas,
os pés a caminho. as margens alargam quando estou perto,
mas do outro lado as mulheres não reflectem
o rosto ou mesmo a sua ausência.
são matéria do verbo fazer e caminham junto ao chão,
na curva da noite para o marido. gastos os sonhos por usar.
descorado pano que ficou ao sol. nelas a cidade não acorda,
não regressam os barcos à tardinha.
vêm pela beira dos caminhos, a tristeza amável,
a raiva cega e às vezes um sorriso que sacode os ombros
porque até a tristeza tem um custo, uma esperança
na sola do sapato. vejo-as todos os dias e é como se a vida
me atasse os pés, me anelasse os dedos. como eu,
outras mulheres olhando o rio, desbordando o pano,
descozendo a sopa. ama-se o homem que vira a esquina
connosco e sabe que não podemos fingir que a ferida
está fechada. as casas acendem.
é na água que vejo a sua luz descendo o rio.
as mulheres passam em silêncio para as casas,
atravessam a pele – deixam um retrato puído nas entranhas.
olho o rio e não sei fingir que finjo tanto mar.


rosa alice branco

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

LINDO.
fiquei aos bocadinhos
em pedaços.

vou,a correr embora
tenho que ir ali pedir colo

lindo lindo
até ir ao infinito
e voltar
e ir
outra vez
...


eu também
"peço sempre a mesma história"

i

quinta-feira, janeiro 10, 2008 1:47:00 da tarde  
Blogger ana salomé said...

...
rosa alice branco
branco no branco, a rosa, o país da alice inundado de rosas

a poesia é um estado periclitante de amor. se visse essa senhora na rua dava-lhe um anel e comprava-lhe um cartucho de bombons vermelhos de framboesa.

esses poemas estremecem como uma camisa aos quadrados numa manhã de inverno.

quinta-feira, janeiro 10, 2008 11:22:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

tão,tão bonito gi.tanta coisa linda que eu conheço por aqui :)

rita

sexta-feira, janeiro 11, 2008 12:09:00 da tarde  

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