28 fevereiro 2008




todos os dias a mesma meticulosa rotina: levantar às 6.30, esticar as pernas, ainda sentado na cama de corpo e meio, abrir o olhar. de chinelos e ainda em pijama, tratar da higiene matinal com garbo e mão firme. barba finamente escanhoada, a água de colónia importada do oriente - hábito que ficou de outra vida -, o cabelo impecavelmente alinhado. o rosto de clark gable sem o sorriso, poderia quase dizer-se (e diziam-lhe, não raro, nos botecos que frequentava e, ainda mais recorrentemente, nos corredores das bibliotecas). o café e a meia-torrada, preto aquele, quase loura esta. a pouca manteiga e sempre e só manteiga. a colher de açúcar medida com olho clínico, os comprimidos para manter calado o médico amigo. escolher o fato, sempre o fato, entre os 12 naipes escuros possíveis - o preto em todas as suas gloriosas cambiantes, melhor dizendo. as camisas brancas, entre o algodão mais comum, a fina mistura de fibras naturais comprada em londres, o linho solar e setentrional, resquício das antigas índias. gravata escura. sapatos finos e engraxados, polidos, daquela forma que já só as estrelas de cinema usam. um passeio a pé, esticar outra vez as pernas, aquela meia-hora das 7h30 às 8h00, em que a noite passa o testemunho ao dia. voltar a casa, à pequena garagem, resplandecente nos detalhes de limpeza maníaca. sentar, ajustar espelhos e bancos, pela trigésima vez no mês de 30 de dias. dar à chave, acelerar suavemente, confirmar que a mecânica ainda cumpre as leis que a sustentam nos livros técnicos. dar vida ao velho ford galaxy, reluzente como se acabasse de sair de um museu onde fosse estrela maior, e assim merecesse todos os cuidados. navegar pela cidade, o tempo suspendido, o 'suspension of belief' activo (aquele mecanismo que no cinema nos permite acreditar e, assim, sentir o que estamos a ver, sem estarmos sempre a pensar nos inescapáveis mecanismos de simulacro). conduzir com souplesse. imaginar sair da mulholand drive directamente para os altos e baixos de são francisco, daí passar para as curvas do mónaco, para o ruído geométrico de nova iorque - e algures cruzar o rio de janeiro, ali mesmo, do outro lado do rio tejo. a geografia também suspensa. navegar, o acelerador impassível, a caixa de velocidades por usar, o trânsito desviando-se a cada cruzamento, as auto-estradas libertas. olhar pela janela a meia-haste, o rádio obsoletamente belo, sempre na estação certa. a música a meia-voz, a constante adequação da banda sonora ao estado de espírito de cada lugar já lá atrás.. rasto de luz e som, nitidez contra fundo difuso, graciosidade cinematográfica, poetry in motion, como naquela canção antiga do cliff richard ainda jovem e ainda não sir (sim, mais vale ser-se um senhor intenso que mais um sir por extenso - sorrir com o naif humor interior). pelo caminho, reparar nos que choram. e são tantos, tantos. dar novos usos à álgebra, querer ser o senhor da subtracção ou, pelo menos, da mais justa e talvez possível divisão. oferecer o perfil, no fato lustroso e elegantemente escuro, a quem olha de fora aquele carro como nenhum outro. aquele carro - sussurra-se - que navega as ruas, as estradas, sem uma oscilação, uma hesitação, um gesto mecânico brusco. todo ele é continuidade, serenidade, um flow ininterrupto. abrandar nos semáforos, soprar e pegar-lhes as cores do arco-íris, fazer deles uma coisa outra. voltar aos que choram e estender a mão, ainda dentro do carro, curando-os de si próprios. fazer da rotina uma missão, transformar a banalidade na excepcionalidade, fazer, dia após dia, florir os milagres em cada esquina - fazer disso normalidade. conduzir de volta a casa, àquela garagem exacta, à casa frugal. passar na biblioteca ou na universidade ou no boteco - declinações de uma única e mesma coisa. cumprimentar os amigos, os companheiros de rotinas materiais e afagos existenciais. de volta a casa, despedir-se do fiel ford galaxy dos anos sessenta, acariciar o seu corpo encerado, dizer obrigado por nunca me falhares, nem nos dias feriados e nas cinzentas tardes de domingo. entrar em casa, fazer a lida necessária, preparar o jantar, por entre bach e miles davies. na mesa de mistura - discreta marca de modernidade num tempo há muito sem calendário operativo -, criar uma música nova, talvez a voz de Deus. olhar os livros em volta, a segurança dos livros em volta. fechar os olhos, fumar um cigarro aromático como já só no sri lanka se encontra. imaginar mundos. e pensar: se isto não fosse possível, como seria feia a vida. nesse mundo alternativo, haveria talvez um ford galaxy moderno, de novíssima geração. e fatos coloridos, de fibra sintética. haveria música? haveria café forte e preto? haveria aquele tabaco chegado de outros impérios? haveria a frugalidade como verbo? haveria milagres, como os que, dia após dia, acontecem? seria possível curar os outros de si próprios? a resposta, as respostas, nunca as conheceria - sabia isso muito bem. afinal, esse mundo que dentro da sua mente congeminava, era mera especulação. nunca o saberia. mas não se importava, viveria sem nada, em qualquer sítio e em qualquer tempo. aos demiurgos improváveis apenas uma coisa pediria: que não lhe tirassem o velhinho ford galaxy, companheiro de todas as horas. sem ele, como poderia fazer os meus milagres? até sem milagres ele viveria. mas.. e os outros.. mas.. e os outros?
adormeceu em paz.

27 fevereiro 2008

eram os 80's..





(tudo era ainda possível)




fui
e regressei.
de onde vim
não sei.
mas fui.
e regressei.
- isso eu sei.

foi
e deixou de ser.
o que foi
não sei.
mas foi.
e nesse passado de que regressei sei que fui
- isso também eu sei.

estive, estiveste, estivemos
como um dia deixámos de estar.
o que eras
já não sei dizer.
mas sei que estiveste,
quando te conjugava com todo o verbo ser.
merecíamos, dizem-me aqui,
caixa alta e tudo,
- queres tu ver..

(relembro-me: isto tudo eu sei.)

mesmo que partida de entrudo,
já não faz qualquer mal
perder assim perdido
esse horizonte futuro.
afinal, quantas semanas são mesmo
entre o nascimento do menino
e essa triste coisa - o carnaval?

para ti (que tudo entendes)
aqui fica um longo etecetera,
em português de portugal.
(algures entra, claro, meu coração,
mas esquece-o, coisa e tal.)
és agora fina e breve
espécie de memória futura,
como a vida, afinal:
dura só enquanto dura.
(já te disse mas repito:
vai em paz.
nada já me faz mal).

vincent gallo, 'i wrote this song for the girl paris hilton'


indolente e hipnótico,
este ácido rapaz narcótico.
último de entre os mavericks,
fiel provocador nato,
gallocêntrico rapaz subversivo.
e tudo isto ser.. (de facto)
estranhamente belo,
e exuberantemente vivo.

26 fevereiro 2008

noite de óscares





[acho que faltou o nome deste senhor, de certa forma]

estação de inverno: 17-ª estação

hoje, a décima sétima estação de inverno.


a poesia carnal-existencial de maria teresa horta.

e um travelling panorâmico por meia-dúzia de discretos singersongriters que merecem ser conhecidos.


já disponíveis todos os 16 podcasts das estações de inverno emitidas até à data.


[terças: 23h-24h; repete domingos: 19h-20h]

25 fevereiro 2008

reprise (l'amour l'aprés midi)


alex beaupain, 'avant la haine'
['dans paris', un film de christophe honoré]

estação de inverno: 17-ª estação

amanhã, a décima sétima estação de inverno.


a poesia carnal-existencial de maria teresa horta.

e um travelling panorâmico por meia-dúzia de discretos singersongriters que merecem ser conhecidos.


já disponíveis todos os 16 podcasts das estações de inverno emitidas até à data.


[terças: 23h-24h; repete domingos: 19h-20h]

23 fevereiro 2008

na esquina da factura-recibo, ela escreveu

'está pago. para vir levantar num dia de sol.'

longe, muito longe, de saber que aquilo que estava a fazer era semiótica pura. ou então poesia magistral. o maGIstério do coração alheio, na ponta dos seus dedos SOLdados.

kruder & dorfmeister, the k&d sessions, 'useless' (depeche mode)



feelings are intense
words are trivial

words are meaningless and forgettable

they can only do harm



depeche mode
túneis, muros, prédios:
nas fendas do cimento
as ervas bravas.

--

o mais temível são as coisas simples:
prazos terminados, inúteis providências
afectos que se pegam
como nos invernos as constipações.



carlos poças falcão, in 'coração alcantilado'


22 fevereiro 2008

doodle* literato & heresia literária




let's start a life (a home not a house)
to hell with small literature
we want something redblooded (that's for sure)
lousy with pure (a continuous chosen spouse)
reeking with stark (and right from the start)
and fearlessly obscene
but really clean
get what i mean (: amazingly human)
let's not spoil it (much better if we boil it)
let's make it serious (and wildly ridiculous - deliciously delicious)
you know something genuine like a mark (the impossible bright that comes from the dark)
in a toilet (will you keep this secret?)
graced with guts and gutted
with grace (put this word in the right place)
squeeze your nuts and open your face
(c'mon
your heart it's an engine - so is life -
turn it on).


[* A doodle is a type of sketch, an unfocused drawing made while a person's attention is otherwise occupied. They are simple drawings which can have a meaning, a shape or just irregular forms.
Doodling is mainly made by young people around the world, notably students. This activity is normally made during long or boring classes as the students begin daydreaming or losing interest. They do it mainly on the notebook margins or in the back pages starting as random lines and sketches and then becoming more elaborated.
Doodling can also be made while talking by telephone for a long period of time if a pen and paper are available.
Popular kinds of doodles include cartoon versions of teachers or companions in a school, famous TV or comic characters, invented fictional beings, landscapes, textures, banners with legends, and animations made by drawing a scene sequence in various pages of a book or notebook.]


ontem, enquanto o professor divaga por entre ciclos textuais impressos e ciclos textuais digitais, com graça mas sem centelha, dei por mim próprio a reler esse magnífico poema do excelso e.e. cummings ('no thanks', assim se chama) que serve de mote-missão-watermark à editora cavalo de ferro.
em negrito, o poema original.
ao lado, entre parêntesis curvos, umas brincadeirinhas.

dialogar poeticamente com e.e. cummings.. só mesmo para uma alma irresponsável. uma heresia destas é capaz de dar processo judicial (ainda bem que quase ninguém me lê). de uma forma ou de outra, gostei do jogo. gostei à brava. acho que vou repetir. i will keep you posted of my doodlish (doodle + foolish) things..

21 fevereiro 2008

albano martins says:

(..)
'uma cidade pode ser
um coração,
um punho.'


uma cidade
pode ainda ser
um fio de horizonte, uma linha de fuga, uma espécie de rumo.
uma cidade podes ser tu,
uma cidade pode ser
tudo.

uma cidade

uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
uma cidade
pode ser o nome
de um país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. e pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
aceso
numa noite
de junho.

uma cidade pode ser
um coração,
um punho.


senhor albano martins
mr. costello:
what's so funny about peace, love and understanding?

mr. frond:
and the lack of understanding is so hard to understand.
[não digam que o jardim d'inverno não é amigo!]



david sylvian, sakamoto e ingrid chavez (à data, a senhora sylvian..)

20 fevereiro 2008

'dizem que algures, acho que no brasil, é possível encontrar um homem feliz'

[sabem quem disse isto?]

às vezes, às 15h58, às avessas das avessas, às 2 para as 4 portanto, às de espadas de certa maneira, às vezes, às 15h59 ainda, às quase 4 da tarde, às vezes, dizia, é possível vislumbrar 30 segundos rigorosamente cronometrados de alegria parva, indefinível, irrazoável, insustentada e insustentável, instável mas implacável, nesse jeito meio estúpido que só a alegria tem de ser fulminantemente alegre. como o lado solar do amor.. esses segundos em que

man oh superman

exacto, em que.. isso mesmo.

uma simples canção a bailar, abrir o you tube e, sem razão objectiva, darmos por nós a cantarolar, inebriados.

se todos os sorrisos são um manguito contra a morte;
se todos os risos são subversivos;
a alegria 'sem lenço nem documento' que cantava o caetano veloso é um directo no queixo da lógica que nos dificulta o quotidiano, um gancho de direita nas probabilidades que nos condenam à insatisfação, a um estado desgostoso.

qual é a canção?

hoje, às 15h57, foi esta:



so here's your life,
we'll find our way,
we're sailing blind,
but it's certain nothing's certain.



19 fevereiro 2008

da exegese da poesia escrita à hermenêutica da vida inscrita

'se um poema não tomou de assalto um homem, das duas uma: ou não era um poema, ou não era um homem.'

vasco gato


ERRATA

onde se lê Deus deve ler-se morte.
onde se lê poesia deve ler-se nada.
onde se lê literatura deve ler-se o quê?
onde se lê eu deve ler-se morte.

onde se lê amor deve ler-se Inês.
onde se lê gato deve ler-se Barnabé.
onde se lê amizade deve ler-se amizade.

onde se lê taberna deve ler-se salvação.
onde se lê taberna deve ler-se perdição.
onde se lê mundo deve ler-se tirem-me daqui.

onde se lê Manuel de Freitas deve ser
com certeza um sítio muito triste.


manuel de freitas

estação de inverno: 16-ª estação


simon joyner


albano martins


hoje, a décima sexta estação de inverno.


continuamos com a poesia grave e minimal de albano martins.

e descobrimos os fantasmas low-fi de simon joyner.


já disponíveis todos os 15 podcasts das estações de inverno emitidas até à data.


[terças: 23h-24h; repete domingos: 19h-20h]

18 fevereiro 2008

estação de inverno: 16-ª estação

amanhã, a décima sexta estação de inverno.


continuamos com a poesia grave e minimal de albano martins.

e descobrimos os fantasmas low-fi de simon joyner.


já disponíveis todos os 15 podcasts das estações de inverno emitidas até à data.


[terças: 23h-24h; repete domingos: 19h-20h]

16 fevereiro 2008

hoje! hoje!! hoje!!! hoje!!!! hoje!!!!!





Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra

Dia 16 de Fevereiro 08, 21h30

Indie Folk TAGV: Ola Podrida [EUA] + Magic Arm [Inglaterra]


No dia 16 de Fevereiro, o palco do Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, recebe dois projectos sob o signo da etiqueta indie. Dois nomes que, apesar de separados pela sua geografia e pelos diferentes territórios sonoros que exploram, partilham a mesma liberdade criativa e descomprometimento comercial. Tanto a folk dos Ola Podrida como a pop electrónica de Magic Arm comportam poucos recursos para além da criatividade e engenho dos seus autores. No palco não existem fugas. Subsiste a autenticidade que acompanha as suas composições desde o primeiro momento, que as resgatou de um quarto, no qual sobreviveram ao longo de meses, num registo confessional e despojado. No palco existe o erro.


Ola Podrida [EUA]

Fly over America. Um vasto território que se perde de vista, percorrido pelas personagens que habitam as composições de David Wingo, presas às suas próprias frustrações, incapazes de partir. As suas pequenas histórias foram traçadas ao longo dos anos na cidade de Austin, quando ainda dividia os seus dias entre o balcão de um clube de vídeo e a composição da banda sonora de George Washington, filme realizado pelo seu amigo David Gordon Greene. De capital relevância no surgimento dos Ola Podrida, as colaborações entre ambos sucederam-se, conferindo hoje uma forte marca cinematográfica à lírica de David Wingo. Em 2007, após ter-se mudado para Nova Iorque, edita pela Plug Research o seu primeiro trabalho enquanto Ola Podrida, projecto de indie folk que conta com a colaboração de vários músicos, entre os quais Andrew Kenny dos American Analog Set. Bastante aclamado pela crítica, que o compara a Iron & Wine e Sufjan Stevens, transpõe para o presente a tradição da folk norte americana, cujo despojamento encerra uma sonoridade acústica, pontuada por banjos, bateria e pela voz de David Wingo, num registo de storyteller que não perdeu, após partir para a grande metrópole…No TAGV estará acompanhado pelo baterista Matthew Frank, numa formação reduzida do projecto.

Discografia
Ola Podrida: “Ola Podrida” [ed. Plug Research, 2007]
Site Oficial
www.myspace.com/olapodrida


Magic Arm [Inglaterra]

Há alguns meses, o grupo Grizzly Bear, através do seu site oficial, chamava à atenção para um projecto denominado Magic Arm, reputando-o como “stunning”. Pouco se sabe hoje sobre Marc Rigelsford, o jovem compositor britânico que assina enquanto Magic Arm. Oriundo de Manchester, editou em 2007 um EP intitulado Outdoor Games que, para além de ter chamado a atenção da reputada banda nova iorquina, também recolheu críticas favoráveis em publicações como o The Guardian. Na antecâmara do seu primeiro longa duração, traz-nos uma indie pop dominada por elementos electrónicos, construída em laboratório, mas de forma alguma fria. Cada faixa é portadora do legado musical de Manchester, e não poucas vezes são convocados os Stone Roses ou os Happy Mondays. As vocalizações de Rigelsford acompanham a métrica dos instrumentos usados, recorrendo a máquinas de escrever, relógios e teclados vintage. Em Magic Arm tudo é meticulosamente programado, num crescendo cadenciado e dirigido por um só homem.

Discografia
Magic Arm: “Outdoor Games EP” [ed. Switchflicker, 2007]
Sites Oficiais
http://www.magicarm.co.uk/
www.myspace.com/magicarm


Preçário:
Preço normal 10,00€
Preço estudante e sénior 8,00€
Preço Amigo/a TAGV 5,00€


Para mais informações contactar:
Serviços Artísticos e de Produção
Teresa Santos
Tel. _ 239 855630
Fax_ 239 855637
E-mail: s.artisticos@tagv.uc.pt
URL: http://www.uc.pt/tagv


Teatro Académico de Gil Vicente
Praça da República _ 3000-343 Coimbra
Tel.: +351 239 855630 _ Fax: +351 239 855637
E-mail: teatro@tagv.uc.pt
Url: www.uc.pt/tagv
Blog: http://blogtagv.blogspot.com/


Porém, a coisa não fica pelo concerto... para além de uma after-party no Salão Brazil, terá lugar uma conversa aberta ao público intitulada "Os territórios indie e as suas fronteiras".

Convidados: valter hugo mãe - escritor, editor, bloguer, vencedor do prémio Saramago de 2007 -, João Bonifácio (do Y - jornal 'Público'), Rodrigo Cardoso ('lead manager' da Borland) e Rita Moreira (voz da Oxigénio). A moderação da coisa vai ser da responsabilidade do Pedro Sousa e da Carla Lopes (ambos da organização do evento).

Sobre a temática, há pano para mangas: definição da etiqueta indie, o que a caracteriza, se poderemos definir um estilo como sendo indie, qual a relação entre as ditas bandas e o mainstream, outras formas artísticas catalogadas como tal, quais as linhas estéticas, a chuva de publicações e de etiquetas disponíveis na Internet que vieram por arrasto, a forma de publicar os discos, como subcultura de que forma se diferencia das outras subculturas..

A conversa acontecerá às 15 horas, no dia do concerto, no Foyer do Teatro Gil Vicente.

15 fevereiro 2008

da eterna procura

só o desejo inquieto, que não passa,
faz o encanto da coisa desejada...
e terminamos desdenhando a caça
pela doida aventura da caçada.



mario quintana

[dedicado a todo/as os que entendem 'a maldição do caçador.']

vai & vem

vai:

'vim agora de leiria, estou estoirado, mas decidi safar os senhores, estava à escuta da central, nenhum colega apanhava o serviço. desde as 5 da manhã, veja bem. vim agora de leiria, ia a caminho de casa. sim, um serviço. um senhor, veja lá, chegado de angola. do aeroporto para leiria. zangado com a mulher, uma história assim. veio de angola para lhe ir entregar um ramo de flores, perto de leiria. uma história, é como lhe digo. e o benfica que não marca. mas o homem leva um ramo de flores e lá me foi contando pelo caminho. parece que era suposto estar em luanda, mas a mulher apanhou-o em marselha, uma coisa assim. deve haver mais história, mas foi o que ele disse. e lá fui, pois claro. e até levei as flores à senhora, que o seu marido está ali no carro, mas ela teimava em não o receber. ele ainda ia ver se ela ao menos jantava com ele, mas não me parece. deixei-o num hotel, ali na batalha. veja lá, no dia de são valentim. é como lhe digo, caro senhor. de luanda a leiria.'

& vem:

'sou de alhandra, pertinho. nascido em 1940, ando nisto há muito tempo. conheço as ruas quase todas, quer testar-me daqui até sua casa? como se chama esta? e aquela ali? e aquela onde o apanhei, sabe dizer-me? e logo a seguir? eu digo-lhe. ruben a leitão. a. é andersen, é estrangeiro. ruben andersen (andresen?) leitão. escutei uma vez um cliente e foi assim. parece que era lá a sede do correio da manhã. então e se em vez da sua rua, rua _______ ______, fosse a rua _____ ________? é parecida, mas não é a mesma, sabe onde é? e a outra, também parecida, a _____ _______? muitos anos na praça. trabalho sempre de noite. isto hoje tem movimento, não percebo. dia dos namorados? nãaaa. o benfica e algum espectáculo no tivoli ou no coliseu. vá-se lá perceber. mas está complicado, está sim senhor'.


fui & voltei. noites de táxi.



unexpected, undetected

all the things i could tell you, all the things i could show you

14 fevereiro 2008

são val..então?

almoço frugal e solitário, mas com vista bonita, a prometer qualquer coisa de indefinível. como tantas vezes, por opção. outras vezes, por já não ter pachorra para almoços profissionais (interesseiros) ou para a conversinha de ocasião (pouco interessante).
por razões circunstanciais, pequenos grupos ou indivíduos como eu, sentam-se relativamente próximos uns dos outros. impossível, mesmo dando o nosso melhor, ignorar por completo certos 'soundbytes', certos sussurros, certas palavras.
um par masculino, funcionários em traje e pose civis, passa o almoço descrevendo e comentando as agruras amorosas de amigos e amigas, histórias pungentes e estórias só risíveis, histórias amargas e estórias patéticas.
conhecemos bem tais histórias, tratamos por tu tais estórias. coisas da vida, sem tirar nem pôr.
mas, enquanto tentamos sobreviver ao dia, este sofrido e sofrível 14 de fevereiro(memórias, memórias; inquietações, inquietações), escutar os testemunhos na mesa ao lado, contados, ainda por cima, com um misto de respeito e consternação.. deixa-nos, como é que é mesmo a palavra?, ensimesmados. é isso: assim-mesmados.

happy valentine out there.


o dia em que morreu outro avô*

(in memoriam)


pássaros que rasgam a madrugada:
emissários negros e silenciosos
prenunciando chuva, chumbo e morte.

pássaros negros que rasgam o céu:
sicários gregos e tensos
anunciando as sombras à nossa corte.

pássaros de chumbo que grasnam:
'killers' simbólicos, e dos mais metódicos.
quando deles queríamos só melodia,
pássaros silenciosos chovem do céu.
pássaros em perda que nos transformam
- agora funda noite
onde erámos, há pouco, esplendoroso (e inglório) dia.


* para aqueles que professam a fé das e nas famílias alargadas, para aqueles que cresceram com rituais familiares quase sagrados, onde havia sempre uma mão-cheia de primos à solta e de tios e tias e de familiares idosos a zelarem pelos laços e pela herança ancestral, haverá sempre um ditado do género: 'avô de meus primos, meu avô é'. hoje, dia de lágrimas para a dona r., para a minha tia l. e para as minhas queridas primas i. e r., aqui fica um poemazito em forma de abraço. não serve de nada, mas a gente dá o que pode e o que sabe e o que consegue. a gente dá o que somos.

13 fevereiro 2008

da janela do carro, descendo a íngreme avenida, o trânsito obriga a abrandar, naquele típico pára-arranca lentíssimo de certas horas em certas cidades. do lado de fora dos serviços públicos, o olhar meio perdido e o corpo vergado (desistente ia escrever, por amor à verdade, mas estes tempos não estão nem para a verdade nem para o amor, quanto mais para..), o bigode toscamente escanhoado, o cabelo em desalinho, o rosto fechado, a roupa já só no limite da dignidade, a meia-idade naquela idade em que pesa pela idade toda, todos os indícios coerentemente apontando numa direcção. se fosse um produto, dir-se-ia perfeito no seu 'marketing-mix' completamente harmonioso, tristemente harmonioso, desgostosamente consistente. encostado ao murete que suporta a grande janela do lado de fora, o homem parece um homem emoldurado. por moldura a sinaléctica do serviço-repartição, encabeçada, à laia de legenda, por um slogan daqueles que as centrais de comunicação criam a velocidade sónica e abandonam a velocidade super-sónica: 'igualdade de oportunidades'.
(ainda bem que o trânsito obriga a acelerar o passo motorizado. permanecer ali seria insuportável - pensamos como sempre pensamos; e fazemos como sempre nada fazemos).

da janela do carro, parado nos semáforos que se espreguiçam na manhã, vemos o rapaz de todos os dias distribuir pelas janelas entreabertas dos outros carros o gratuito jornal d'ocasião. o rapaz é gingão, hábil na dança por entre os carros, como se fosse toureiro numa praça cheia de animais bravos, vencendo-os uma e outra vez com graciosidade e souplesse. entretido com o leitor de mp3, imagina-se vencendo na arena, a glória dos aplausos, o bruá reservado aos vencedores. o rapaz, por certo acabado de desferir mais um golpe certeiro no touro com estrela na ponta do 'capôt', acerca-se da carrinha de nove lugares que está ao nosso lado. nos 20 segundos seguintes, o vidro do lado do pendura, baixa generosamente e, lá dentro, percebemos irem três, quatro, meia-dúzia de pessoas de idade avançada. o rapaz inclina-se para dentro do vidro e esquece por momentos o bruá do público que nas bancadas da arena clama por ele, pela sua arte quase tauromáquica, pela sua elegância 'in motion'. pergunta 'como está a senhora; então e a sua filha; então e..', numa sequência de perguntas com resposta, que denotam respeito, atenção e carinho. no carro ao lado, perguntamo-nos como é possível, em tão poucos segundos, nas sequências aceleradas de contactos brevíssimos para mera entrega de um jornal, estabelecer AQUELE tipo de contacto, AQUELE tipo de relação. o cérebro, esse gajo frio, pensa logo em hipóteses: 'por certo que se conhecem de outro lado, seria impossível', por entre outras hipóteses que tentam arrumar o sentido e a (im)plausabilidade do que acabámos de ver.
(ainda bem que o trânsito obriga acelerar o passo motorizado - permancer ali seria, mais do que suportável, um imperativo categórico. e isso, e isso meus caros, obrigar-nos-ia a, à maneira de sempre, a agir. e, todos o sabemos, os tempos não estão para grandes acções, principalmente daquelas que são dignas de caixa alta).

quando a lenda ultrapassa os factos, publique-se a lenda. john ford colocou esta frase célebre, um quase aforismo, na boca de uma das suas personagens, como o seu cinema todo, 'bigger than life'.
quando o coração vê mais do que o cérebro, publique-se em letra de sangue. vermelho e quente. torrencial. providencial. letal.

12 fevereiro 2008

estação de inverno: 15-ª estação

hoje, a décima quinta estação de inverno.


a poesia irradiante e ascendente de albano martins.

e as excelsas canções de amor, impossivelmente retrofuturistas, dos alpha.


já disponíveis todos os 14 podcasts das estações de inverno emitidas até à data.


[terças: 23h-24h; repete domingos: 19h-20h]

11 fevereiro 2008




i never wanted to kill
i am not naturally evil
such things i do
just to make myself
more attractive to you

10 fevereiro 2008


chromatics, 'i want your love' (video não-oficial)


viciante esta rapaziada.

não encontraste a rua


kit glaisyer, 'cafe royal' oil on canvas


não encontraste a rua
não encontraste a casa
não encontraste a mesa
no café que alguém
por engano indicou.

mas a cidade é esta
e não outra

não encontraste o rosto

o anel caiu
ninguém sabe aonde.



senhor alberto de lacerda

08 fevereiro 2008





'sê feliz. é uma forma de seres inteligente.'

sidonie-gabrielle colette

07 fevereiro 2008

malgré nous, nous étions là*


* diz o paulo ribeiro. e nós com ele.

04 fevereiro 2008

just because i'm there. and you. and you. and me.





'climas'.

[o filme que mais me marcou em 2007. o filme que sobra, quando retiramos todos os outros. o filme que permaneceu.]

estação de inverno: 14-ª estação

amanhã, a décima quarta estação de inverno.


a poesia telúrica e em estado de permanente comoção de francisco josé viegas.

e a voz, sublime e espectral, de mary margaret o'hara.


[terças: 23h-24h; repete domingos: 19h-20h]



'borboletas', da autoria de e dito por francisco josé viegas

02 fevereiro 2008

BECHEROVKA

norueguesa, alta, de um moreno
duvidoso que sorria muito.
pedia-me insistentemente para não estar
triste como deveras estava.
e pagou-me, creio, o último copo,
antes de me perguntar “o que fazia”.

escrever, sobre a morte, não é
exactamente uma profissão.
mas foi a resposta que lhe dei,
enquanto um guardanapo qualquer
abreviava, só para ela, a minha “obra”.

nunca saberei se percebeu a letra,
se comprou os livros, se chegou
a ouvir o que em péssimo francês
lhe tentei dizer nessa noite, a mais perdida.

os versos são quase sempre isto: um modo
inaceitável de dizer que não tocámos o corpo
que esteve, por uma vez, tão próximo
de nós – e que nem um nome breve nos deixou.


manuel de freitas (de novo).




um dia, conto-vos a história de 'sartre às 3.00 da manhã'. e a de 'franz kakfa às 3.15'.
not a nice job but somebody's got to do it - é o que vos digo.
courtesans are not like me
they don't take love very hard
their hearts are free
how avant-garde.


stephin merritt

01 fevereiro 2008




vinha no carro e não queria acreditar..

o vidro azul, aquele grandessíssimo programa, aquele postigo para a galáxia 'slow-cuore' (e roubo aqui, desabrida e desavergonhadamente esta expressão a quem de direito!), acaba de ser anunciado como o novo programa da radar!!

ia dando uma guinada no volante.

grande vidro, grande azul, grande ricardo. acima de tudo, grande ricardo!

fiquei feliz, pá! como diria o chico.

domingos: 24h - 02h. a madrugada tem um novo príncipe.



há palavras que valem mil palavras.

sempre gostei desta campanha de publicidade. sem dúvida que, desta vez, sou mesmo do que a rapaziada do marketing chama 'o target'.

há pouco, bebendo um cafézito, sai-me

'um dia encho-te o quarto de flores'.

com vossa licença, que isto de quartos é coisa algo privada, é de certa forma o que o flores de inverno tenta fazer, por vezes melhor, outras nem por isso.

encher-vos o quarto de flores.

ou, para usar uma linguagem mais cosmológica, fazer de quartos minguantes quartos um bocadinho mais crescentes.

obrigado, malta do café. desta vez, acertaram(-me)..



depois de uma semana cansativa (aqui e ali, mais do que isso), nada como mergulhar num outro mundo

palimpsesto
papiro
pergaminho
iluminura
miniatura
xilogravura
pérsia
babilónia
mosteiros
copista
livro de horas
..

uma volta quase completa pela história e pelas estórias (a tal palavra que devia ser proibida, já sei..) do livro.

foi bonito. 90 minutos cheios de sorrisos.