06 outubro 2008

rua morais soares, perto de casa


havia de ser diferente


ao domingo à tarde,
saímos de casa.
gola semi-arrebitada,
que pintarola,
apanhor sol de outono
na magistral e douta tola.

que linguagem, menino,
onde ficaram seus modos?
deixei-os em coimbra,
entre outros destroços.

ao domingo à tarde,
como no livro do fernando,
- o fernando namora -,
saímos de casa,
vamos à bola,
qu'arejar é preciso
diz aqui o artola.

menino, menino,
heresias em dia santo?
a vida corre-lhe mal,
mas é razão para tanto?

ao domingo à tarde,
que se lixe o escritor,
passeamos pela cidade,
à falta de melhor,
(ia escrever: de calor).

menino, menino,
mas não fazia sol soalheiro?
o menino procura coisas
como agulha no palheiro.
não lhe basta o solzinho
queria por acaso milagre maior
diga lá: que acabasse a fome,
diga cá: encontrar o amor?

menino, menino,
onde ficou a educação, respeito etc e tal?
dizer assim mal do país,
dizer mal de portugal?

ao domingo à tarde,
ensandecidos da semana,
que cansaço, que torpor,
esquecemos qu'em nós manda:
a nossa algibeira
(mai-la do senhor doutor).

menino, menino,
que poeta tão limitado,
erra na métrica e no verso,
faz impressão,
ainda morre de fome,
tenha cuidado.

Deus-lhe pague o aviso,
e do chão erga o mendigo
que qual Cristo ajoelhado
pedia a quem passava:
- tenho fome, piedade.
essa agora, mendigo dum raio,
estragas assim o domingo,
penas qu'isto é o quê?
(apenas mais um domingo na cidade.)

menino, menino,
que mal disposto anda,
homem feito por fora,
mas vê-se à légua a criança.
herança de livros e discos,
de mãe e pai e tudo,
feche-se em casa ao domingo,
saia só no entrudo.
que isto de aturar humores
de poetas mal arrimados
é dos piores terrores
alguma vez inventados.
claro que falo de mim,
acredite se quiser,
olho-o, faz-me pena,
lembra-me a minha mulher.
coisa assim nunca vi,
essa incapacidade de ser forte,
tome juízo menino,
apanhe de vez o norte.

ao domingo à tarde,
apetece morrer.
ou então espantar a dor,
no corpo de uma mulher.
se é isto o domingo,
dia santo de guarda,
ou perdemos toda a fé
ou a gente anda parva.

shopping mall e internet
passeios e futebol
(o mendigo lá de trás
até dá um toque curioso)
eis a nossa condição:
trocar a vida por nada
e agradecer com devoção.

menino, menino,
insiste na diabrura?
olhe que gente que pensa e sofre e sente
lugar já aqui não tem,
moram todos no cemitério

ou no coração de sua mãe.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

parar de pensar não consigo,
não sentir é indigno,
deixar de sofrer... comigo?

morar no cemitério...

...haverá por lá um amigo?

terça-feira, outubro 07, 2008 7:56:00 da tarde  

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