18 dezembro 2008




na primeira metade dos anos 80 (sim, há tanto tempo..), os violent femmes gravaram dois discos absolutamente marcantes para a história da moderna música popular norte-americana.

o disco de estreia, sem título (ou, como se diz nestas coisas, chamado simplesmente 'violent femmes') é um disco em estado de graça. rock and roll directo, ferozmente incendiário naquele registo interior e algo 'clumsy' da pós-adolescência. energia e testosterona à solta, polvilhado por algum 'angst'. eram rapazes com coisas para dizer. e disseram-nas, num disco que é um conjunto de singles irrepreensíveis, cantando as dores de quem deixou a adolescência há minutos e não se sabe ainda situar no mundo. do outro lado do oceano, os the smiths faziam o mesmo, mas num registo pop-arty, excelso, imaculado, de uma deslubrante beleza formal. estes moços, típicos americanos, vindos dos subúrbios de um estado de segunda categoria, não vinham ao mesmo. as canções são orelhudas, ligeiramente musculadas; a voz é sui generis, num permanente estado de ironia; as palavras soletradas a preceito; o som é esquinado, sujo, não especialmente complexo. rock directo, herança de coisas que aquela rapaziada escutou nos anos 70 e, logo ali, nos primórdios da, então nova, década de oitenta. já o disse antes: é, provavelmente, o disco que mais vezes ouvi na minha vida. apanhou-me no momento certo - e isso, amigos, é ouro.

o disco segundo foi uma inflexão na carreira destes nossos rapazes. muito mais produzido (mas sem ganhar 'ganga'), é um disco que merece estar no rol dos indispensáveis de muito boa gente. de seu nome, 'hallowed ground', é isso mesmo: um mergulho em terrenos amaldiçoados, mal-sãos. um disco viscoso, de uma temática que oscila entre a 'pequena história da gesta americana', um misticismo aqui e ali quase apocalíptico (mas nunca óbvio), um desencanto de quem acabou de crescer e sente que, de alguma forma, 'foi enganado'. 'hallowed ground' é um disco melodicamente mais complexo, com toques de free jazz, menos orgânico que o seu antecessor (que quase parecia gravado de um só take), mas com uma gravitas muito mais presente. denso, mesmo quando facilmente trauteável, duro nas palavras, mesmo quando servidas por fraseados dinâmicos e vivos, introspectivo mesmo quando gordon gano, carismático líder da banda, parece cuspir palavras sobre quem o escuta. um abençoado disco amaldiçoada. ou então ao contrário. ou então, como dizia o outro: só bom. todos os dias.

depois, depois.. a banda mergulhou em gravações regulares de álbuns regulares. sempre com canções portentosas, mas nenhum minimanente, no seu todo, à altura do magnífico par de primeiros discos. há um registo mais irónico, mas menos sério; canções fervilhantemente pop, mesmo parecendo rock; incisiva crítica política e civilizacional; a voz de gordon gano sempre pungente e urgente (estranha e rara combinação); singles nos charts, aqui e ali. mas, como em tantas outras histórias, nada foi como dantes.

das bandas que na minha vida de melómano amador mais gostaria de ver ao vivo, a esmagadora maioria remete para a expressão 'gostaria de ter visto', por manifesta impossibilidade (the clash; joy division; the go-betweens; the smiths e um longo etecetera). uma daquelas, poucas, que poderia ter visto eram/foram/são precisamente os 'violent femmes'. no entanto, nunca o fiz. transformados em 'clowns', abrilhantaram vários concertos de 'finalistas', um pouco por todo o portugal, nestes últimos dez anos. uma noite em que me senti especialmente fragilizado (estas coisas são dores subtis, amigos) foi a noite em que tocavam no instituto superior técnico, enquanto passava, de carro, mesmo ao lado. abri a janela e escutei meia-dúzia de acordes, por entre luzes e pirotecnia de feira. que faziam aqueles rapazes ali? que pensariam aqueles miúdos daqueles quarentões, em permanente (falsa?) pose de folia? que raio de mundo é este? - pensava para comigo. acelerei e segui em frente, olhando pelo retrovisor. lá atrás, os meus dias de adolescente, ao som dos violent femmes, catarse bela e visceral desses meus anos. até desaparecerem. eles e eu. esses 'eles' e esse 'eu'.

senhoras e senhores: the violent femmes!