17 fevereiro 2009

'la boulangère de monceau', eric rohmer


e lá vai ele tão-senhor-de-si-e-dos-seus-vinte-anos-a-fumar-gitanes, dir-se-ia que paira sobre as mesmas pedras que, poucos anos mais tarde, esconderão as praias da utopia de maio..

e lá vai ele tão-senhor-de-si-e-das-suas-catedrais-de-aristotélica-lógica, dir-se-ia que os seus dois pés no ar mostram apenas o quão longe está da realidade material, aquela de que são feitos os bolos que disciplinadamente vai comer, daqui a pouco, enquanto espera por qualquer coisa..

e lá vai ele tão-senhor-das-suas-emoções, longe de entender que nada pode contra a grande mão da 'real politik' do corpo e da mente (o coração ficou na mesa do café, penhor possível em troca de um futuro qualquer)..


pelo caminho, padeiras e empregadas de cafés e de pastelarias que cometeram a imprudência de se cruzar com ele. ele, tão senhor de si, fatalmente a caminho do que estava já escrito nas estrelas - forma apenas mais poética de dizer a caminho do que haveria simplesmente de ser, pela força das coisas.

o triste carnaval a chegar. ele, o triste-rei-momo, eleito sem um voto contra. nem ele próprio, bem vistas as coisas, votou contra. o corso da desalegria, espalhando as cinzas pelas multidões de desistentes que enchem as ruas, as praças, as avenidas que desembocavam antes no seu coração e que agora são apenas vias de facto para se chegar o mais depressa possível e o menos dolorosamente possível a um lado qualquer, a um futuro qualquer, a qualquer coisa.

as coisas são como são. afinal, desde cedo ele não sabia que o coração é o único caminho, mas sem um único voto a favor.

tudo o resto.. simples mentira. mas muito bem contada.