31 março 2009

estação de inverno: 61ª estação




hoje, terça-feira, a sexagésima primeira estação de inverno.


a poesia febril, radicalmente feminil, apaixonada e ferozmente livre de maria teresa horta - que regressa assim à estação de inverno, um ano depois da sua primeira visita.

dois punhados de belas canções de base electrónica, porque, às vezes, a tecnologia é apenas um caminho e não um fim: sebastien tellier, momus, parker & lilly, beach house e uns quantos mais.

e um destaque especial para os massive attack - esse portentoso 'sound system' que, a partir de bristol, teve um sonho (a que muitos chamaram trip-hop).

por outras palavras: inquietude e melankolia. e astronautas a voarem lá em cima.


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foto: paulo nozolino


never give all the heart, for love
will hardly seem worth thinking of
to passionate women if it seem
certain, and they never dream
that it fades out from kiss to kiss;
for everything that's lovely is
but a brief, dreamy, kind delight.
o never give the heart outright,
for they, for all smooth lips can say,
have given their hearts up to the play.
and who could play it well enough
if deaf and dumb and blind with love?
he that made this knows all the cost,
for he gave all his heart and lost.



w. b. yeats

30 março 2009




as 'minhas meninas', novamente juntas :-)!
[suspiro]


há coisas na vida da ordem do inexplicável.

alguém me explica qual a razão para o radialista de serviço, figura creio que conhecida no circuito mais alternativo americano, envergar uma camisola.. da selecção portuguesa de futebol!?!

e, que diabo, o teclista das meninas tinha que, num certo plano, ser.. parecido comigo!?!

eu, juro, não conheço a maria. nem a orenda. mas tenho pena ;-)!
são os linces os tigres
são as feras
indo beber à tua mão

são os gatos selvagens
rente aos lábios
que me vêm dormir no coração

maria teresa horta


de todas as formulações, a mais angustiante sempre foi para mim a entrada na enciclopédia da vida que diz assim: 'o que podia ter sido'. é um universo tenebroso de caminhos e veredas, de atalhos e ruelas, de cidades cósmicas, de paraísos artificiais, território sem geografia nem tempo definido, um limbo onde, ao mesmo tempo, convivem todos os eus e todos os tus, ambos desgraçadamente de geometria absolutamente variável e decerto acumulável. o que podia ter sido, então? podiam ter sido tantos os caminhos. sair da ponta de sagres e errar os brasis. desviar milimetricamente a rota apontada pelo sextante, confundir as estrelas, seguir os marítimos fogos fátuos e, inexoravelmente, ir dar às índias. nunca se sabe se estamos nos brasis ou se, afinal, aportamos às índias da vida. e tu, quem és tu? neste limbo, és todas as possibilidades passadas, todas as sarças iluminantes, todas as matérias etéreas, todas as rimas finas. és um prodígio de linguagem, como estas coisas que acabei de escrever. elas não existem - que raio quer dizer 'matérias etéreas'? ou 'rimas finas'? mas, ao serem nomeadas, elas existem. da mesma forma, semântica se quisermos, também tu existes. oh, se existes. existes sob vários rostos, esfíngicos ou pedestres. és esguia e esquiva. és clássica e imponente. és todas as possibilidades que foram. e todas as que podiam ser. e todas ao mesmo tempo, num golpe de magia fenomenal. e intraduzível pela linguagem mais objectiva. 'o que podia ter sido' és tu. e tu. e tu. e tu. e todas as ramificações de todas as ramificações de todas as ramificações. podia ter sido assim e depois desta maneira; ou ao contrário. e multiplicam-se os cenários, retrospectivos, prospectivos, especulativos. 'o que podia ter sido' é uma árvore que parte para a frente e para trás, uma árvore em que se confundem profundíssimas raízes e inalcançáveis derivações de ramos. uma improbabilidade visual, uma negação da ciência da representabilidade. pura matemática cósmica, teoria das cordas, o big bang, semiótica. um mundo virtual repleto de rostos e de gestos e de intenções. é tudo o que poderia ter sido, é tudo o que poderia ainda ser, é tudo o que poderá vir a ser, em todas as conjugações possíveis, numa complexidade impossível de processar pelo mais humano dos supercomputadores ou de intuir pelo mais preciso e potente dos corações humanos (ou das mentes humanas). é do reino do que 'podia ter sido' que eu sou zelador involuntário. estão sempre a chegar: novos sorrisos, novos rostos, novos corpos, novas almas, novas vidas. um míriade crespuscular de possibilidades infinitas e não vividas.

sentado, cansado, à entrada destes domínios, eu vos saúdo: bem-vindas sejais, vós que com matéria mil vezes abstracta tão concretamente me atormentais.

29 março 2009

[uma excepção é uma fissura no dique. não digam que não me avisei.]





excepcionalmente, esta dedico-a a mim..
não, não sou o poeta, nem sequer poeta.
não, não sou brilhante - vou apenas alumiando, coisa bem diferente.
não, não sou um olhar perfeito, sob um céu austral.
não, não sou um trago profundo e acre, por entre daiquiris florais.
não, não sou o inverno que prometo. nem as primaveris vielas por onde me meto.
não, não sou o capitão gancho. nem o bukowski fino da avenida das buganvílias.

mas não sou um insecto, porque ainda tenho a vertebral medida
das coisas que me fascinam e da vida uma insensata e desesperada fome,
para ti, numa palavra:
- desmedida
.
voltaremos sempre
à incomensurável vastidão dos campos.
voltaremos sempre
à incontornável solidão dos campos.
voltaremos sempre
à insondável neblina dos campos.



o teu olhar debica-me.

27 março 2009

desculpa-me a ternura*

digo-te:
desculpa-me a ternura em que tropeço
a cada instante.
desculpa-me o laços que ato e desato
e assim por diante.
desculpa-me a total falta de esqueleto
a todo o tempo.
desculpa-me a lentidão da alma, de resto,
mais a falha no fermento.
desculpa-me a raiva emudecida e trôpega
em qualquer estação.
desculpa-me a inutilidade doce e sôfrega
meu animal de estimação.
desculpa o versejar melancólico e triste
hábito de criança.
desculpa-me o trovejar intenso e febril
esta falta de esperança.
desculpa-me tudo, melhor, desculpa-me todo

só não me desculpes, nenhuma vez nem mil,
a sobriedade do azul-rosa e do preto-anil,
epigramas infames sob a capa quase dócil,
uma forma de dizer sim com um 'a com til'.


e tu dizes:
s-i-m-o-u-n-ã-o-afinal-então?

e rematas com gelado gelo
este episódio de coroação,
majestosa tristeza soberba
minha fiel ave de arribação.



* título de poema da por nós mui amada ana luísa amaral.


say we can
say we will

25 março 2009


['los olvidados' é um filme de luis buñuel, da sua fase mexicana. e é também um dos filmes da minha vida - seja lá o que isso for..]



há na moderna correspondência digital toda uma secreta alquimia
capaz de nos arrancar dos braços da auto-condescendência mais
primitiva, capaz de nos rasgar as noites até das noites fazer dia,
capaz de reconstituir, como que por magia, escolhos ancestrais,
daqueles que deixámos lá atrás, para que um dia os possamos ver
de novo, à nossa frente, fazendo da curva do tempo espécie de pião
nas mãos de um petiz. apenas não é capaz de inscrever - isso não -
esta expressão: fazer da vida algo novo, e da memória algo feliz.

24 março 2009




e de repente estás ali outra vez. passeias em passo calmo, pelas ruas da tua infância. por essa vilazinha de província que, nesses anos setenta e oitenta, foi o teu mundo. as tuas coordenadas geográficas, por assim dizer, estão todas ali - mesmo se em ti coexistem dois planos nem sempre pacíficos: uma ligação telúrica às raízes; e, ao mesmo tempo, uma vontade insaciável de mundo. sempre foi assim, apenas constatas o óbvio. de repente, naquele edifício semi-abandonado (só na tua terra os edifícios semi-abandonados são entes absolutamente vivos na paisagem afectiva), olhas de relance o parquezinho onde, há muitos anos, brincavas, enquanto esperavas a catequese. era a rotina de sábado à tarde: a tua mãe deixava-te, à porta, junto ao início do lance de escadas de pedra, brincavas uns minutos, às vezes assustavas-te com alguns meninos com pinta de 'bad boys' (que os há sempre, em todo o lado), iniciavas amizades que deixaste para trás e outras tantas que te acompanham até aos dias de hoje. voltas, num golpe, ao presente. olhas agora essa mapa em ruínas, esse tempo que se foi. e o olhar acompanha agora as palavras do teu pai: vês ali, ali mesmo, mesmo à tua frente, o escorrega e o baloiço que um dia foram teus e das tuas irmãs? antigamente, na casa pequenina, havia um pequeno relvado, irregular. nele, por entre, pinheiros mansos, relva quando calhava, frisos de loureiros, reinavam esses dois irmãos: um baloiço de cor verde e um escorrega de cor vermelha. em ferro forjado, obra de um artífice local, que o teu pai, há 30 anos, teria a tua idade, mandou fazer, para que tu e as tuas irmãs tivessem onde brincar. vivias longe da povoação, um bocadinho isolado, era assim o teu mundo. esses mesmos escorrega e baloiço que foram, quando cresceste, oferecidos para que os netos dos teus vizinhos pudessem também eles brincar. e que, numa daquelas voltas do destino, acabaram ali, no edifício que desde sempre serviu para actividades como a catequese. antigamente, servindo largas dezenas de miúdos, hoje em dia, uma dúzia mal contada. sim, as coisas morrem. sim, a ruína avança. sim, só quem viveu esses dias de glória percebe a dor que pode uma coisa assim representar. por isso e por tantas outras coisas parecidas, não estavas preparado para essa visão. a tua mãe conta-te que, quando passa ali e olha o escorrega e o baloiço, não raro dá por si a chorar. onde estão os meus meninos..?, onde está a minha vida..? dobras-te por dentro e fincas os nervos em posição de defesa. afinal, é suposto seres um homem. e não desatar a chorar, à frente de pai, mãe e irmãs, ali mesmo, às 15h45 de um esplendoroso sábado. arrastas-te como podes, como sabes, como consegues, até a uma conversa de circunstância com uma das catequistas que, no exterior da capela que fica poucos metros abaixo, na mesma rua, tenta manter a ordem naqueles petizes sempre em pulgas para qualquer coisa. salvo pela circunstância. fazes conversa, enquanto respiras aquele ar como nenhum outro, enquanto interiormente te recompôes. sim, eu sei, fomos felizes, mãe. e quem foi feliz nunca mais encontra chave nenhuma para porta nenhuma, não é, mãe? é só angústia e mau-viver, como diria, noutro registo, o josé mário branco. sim, eu sei. mas que querem? alguém trocaria a felicidade aqui e agora por uma neblina existencial qualquer? ninguém, ninguém no seu perfeito juízo. e assim foi. fomos felizes. anos depois, o 'flores de inverno' havia de nascer, fruto de algo circunstancial (amores muito mal resolvidos), mas fruto também de algo estrutural (essa ternura melancólica que te ficou para sempre desse reino maravilhoso que foi a tua tardo-infância e a tua adolescência).

e depois de matutares em tudo isto e de decidires que talvez não o devas passar a escrito, aparece-te uma colega, por sinal neta de um grande e conhecido poeta/romancista do século XX Português, que passa a conversa a mexer numa caneta igualzinha a umas que, há tantos e tantos anos, o teu pai te deu, trazidas do seu local de trabalho. nesses tempos, vê lá tu bem, em que tudo te maravilhava. até umas simples canetas de feltro, brancas, da marca 'paper mate'.. mas isto tu nunca conseguirás explicar muito bem. vale-te a beleza poética de a neta do poeta, sem o saber, ter tido entre mãos a tua infância, inteirinha, durante breves minutos..

que saudades de mim.



estação de inverno: 60ª estação




hoje, terça-feira, a sexagésima estação de inverno.


o regresso da criatura, ou melhor, o regresso da revista de poesia 'criatura'. partiremos do seu segundo número, de 2008, para mais um mergulho por alguma da poesia mais gritantemente contemporânea que se vai fazendo (não necessariamente publicando..) em língua Portuguesa. lugar a nove mais ou menos jovens autores - todos com coisas para dizer; todos em busca da sua própria linguagem; todos, cada qual à sua maneira, a caminho de uma certa maturidade poética.


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23 março 2009

100.000

apesar de não ser um registo absolutamente fidedigno, facto cuja explicação não cabe nestas linhas, a verdade é que no rectângulo ali em baixo está marcado, pela primeira vez, um número com 6 algarismos.

100.000 page views.. isto não é nenhum campeonato (aliás, tenho alergia a um certo tipo de utilização das redes sociais para marcar uma espécie de ascendente social informal, consubstanciado, por exemplo, naqueles indivíduos que se gabam recorrentemente de terem centenas / milhares de amigos registados..), mas há uma pergunta ou duas que me interessam:

- quem são vocês?
- porquê?
- o que vos fica, aí desse lado, destes 'meus' tempos?

coisas assim. mera curiosidade minha. não é preciso responder ;-)..

ainda assim, o meu obrigado.

voltem sempre, enquanto vos apetecer, enquanto simplesmente fizer sentido.

flores,


gi.

p.s. uma prendinha. esta cançãozinha é de um rapaz da minha terra, mais coisa menos coisa. metafórica e, desta vez, literalmente ;-). senhoras e senhores: samuel úria, a mostrar como é que se faz..

20 março 2009




eu ligava então o computador e repetia desoladamente o gesto de sempre
procurando no génio alheio uma ponta de redenção para o meu esforçado poema
a primavera anunciava-se lá fora, contornando esquiva a esguia janela,
mas os meus dedos não sabiam, nesses dias, procurar o pólen improvável
que sempre nasce do esforço mais devotado, quase a possível terminação
para quem sempre sonhou com a taluda (o contrário, infelizmente, seria
todo um outro poema, com pouca cor, algum choro e decerto ranger de dentes).
por entre erros de métrica e formalismos inestéticos, os dedos martelavam
impiedosamente esse betão que podem ser as letras, em dias maus, quando
revelam todo o seu mau fígado e pior coração. coisas da ordem dos factos,
tentava convencer-me, dedilhando o teclado e varrendo, nunca é demais dizer,
o tal génio alheio, os tais que têm coisas para escrever vindas do turbilhão,
do desalinho da alma, do escuro que brilha. felizes esses infelizes, escrevem
coisas com estética e preceito. pior seria, tu como eu sabes bem, escrever
sempre em esforço, ter algures no deserto interior um oásis em potência, mas
nem arte nem ciência para o fazer florir, pelo menos em tempo útil. por isso
te chamas inverno, mesmo gostando de verão, mesmo se tantos encontram o teu
lugar muito mais nos outonais campos da primavera (ou será ao contrário..?).
coisas da ordem dos factos, incontornáveis tal como escrever esta palavra
- ia dizer: nestes tempos. melhor seria lembrar o ruy belo e a sua famosa e
solene declaração, cheia de pujante atitude, em vez da pusilânime contenção
que a vida moderna aconselha. sim, rui, também eu 'odeio este tempo detergente'. ironia biográfica, se porventura conhecessem quem por detrás deste matraquear
esforçado displicentemente se esconde. ironia? só da mais fina. que o tempo não
está para cedências ao deus menor da velocidade sem sal. e assim nos quedamos,
em castelhano e tudo, que o tempo escasseia e o poema sobeja. devaneios à sexta
quem os não tem? fica assim manco o poema, à falta de um encerramento condigno.
como a vida que teima em equilibrar-se em menos pernas do que as que te são devidas
pelo grande vendedor de ilusões. vende detergente, velocidade, ferro em brasa,
coisas sem préstimo ou essencialidade. resta a escrita, o esforço, o resto
que a ninguém aproveita, velharias civilizacionais. resta uma casa, um rosto,
a distância murada para a fealdade, um nome, uma ideia louca. resta-te a liberdade.

19 março 2009




old days, don't come to find me,
the sun is just about to climb up over there.
'while my heart is sinking i do not want my voice
to go out into the air'.
did you leave the darkness without me?
you're always miles ahead.
and you're standing in tomorrow on the runway.

oh be the music in my head,
the air around my bed, oh be my rest.
replace the small disgraces of
the times and places that i never really left.
did you leave the darkness without me?
you're always miles ahead.
and you're standing in tomorrow on the runway.

oh I want to fly, fly forward into the light,
be alive, to come alive,
on the leaf-bright friday drive,
sudden horses at the red light,
turn around, see clearer ways to go now.



the innocence mission

18 março 2009




today, i wanna ride.

17 março 2009




a partir dos discos 'vacilando territory blues' (2009) & 'long may you run' (2006), senhoras & senhores, mr. j. tillman:





estação de inverno: 59ª estação


foto: walker evans


hoje, terça-feira, a quinquagésima nona estação de inverno.


o terceiro vértice do terceiro vértice.

ou a terceira parte dos três programas dedicados a rui pires cabral - por sua vez, terceiro elemento de uma 'ars poética' geracional, que é partilhada e definida por manuel de freitas, josé miguel silva e pelo próprio rui pires cabral.

e uma mão bem cheia de canções, daquelas que crepitam e estalam. metafóricas castanhas numa metafórica fogueira fazem um metafórico magusto musical. you get the point, surely.


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16 março 2009

o artista que quase aconteceu




- hi. i am paul thek.
- hello, sir. deligthed to meet you.



[magnífico artigo, assinado por sílvia rato, nas páginas do 'ípsilon', da passada sexta-feira, a propósito de uma exposição-retrospectiva, no museu rainha sofia, em madrid, dedicada a este autor dos anos 60, 70 e 80 que, lado a lado com os movimentos minimalista e pop, criou uma obra desafiadora e, de certa maneira, transgressora - como tantas vezes é a arte que importa..]

15 março 2009

diz o rapaz micah mesmo, mesmo ao final do disco:
ladies and gentlemen, finish the race.


galgos titubeantes cruzam as nuvens
puros-sangues a ferver por dentro
num êxtase infalível e cruel.
melhor era trocar nuvens por galgos
brincar com semântica e geometria
saltar o muro,
soltar o burro,
esmagar todas as ervas daninhas
no altar maior,
da matéria fazer flor,
e pelo caminho trocar as voltas
às ruas onde habita a dor.

domingo à tarde

há nesta corte do norte desvalida
um último resquício de esperança:
enfrentar o cortejo de morte em vida,
rebentá-lo por dentro exactamente
como o balão esvaziado pela criança.

falta na última estrofe batina, cimento,
lógica cartesiana, cola semiótica, algo assim
capaz de explicar aos ímpios do momento
de que fala realmente a palavra que cala
a coisa morta que afinal vive em mim.

13 março 2009




parA todAs as minhAs amigAs que, hoje, se sentem perdidAs (e são muitAs - por muitAs razões diferentes). todAs vós formAm umA constelaçÃo maravilhosA (se por acaso conseguissem, como eu daqui deste lado, ver a imagem completA do desenho que formAm nesse mapA astral que zelA por todAs vós, pairando sobre a poeirA cósmicA e a espumA dos diAs).

com este exemplAr daquilo que é a arte dA filigranA interior, a todAs vós brindo, com o que melhor sei - uma irreversível tendênciA parA tudo embriagAr de fulminAnte e fulminadA belezA.



..da(s) família(s), da melancolia, da inexorável marcha do tempo.

11 março 2009

10 março 2009




tens um disco em casa, entre vários, comprados não sabes bem porquê. escutaste-o uma ou duas vezes, na diagonal quando muito. nunca te conquistou - aliás, pensas, nada tem a ver contigo, com a tua cena, como dizem os putos.

por causa dos teus afazeres como respigador de pérolas, mergulhas numa mão-cheia de discos pouco apreciados e, no topo da pilha de perdedores, lá está ele. o seu branco resplandece, tal como a sua estética non-sense. chama-se 'lil' beethoven', de uns rapazes de sua graça 'sparks'. dois irmãos que andam nisto há uns valentes anos (décadas, amigos, décadas).

pegas nesse disco em particular. escutas a primeira faixa (esta que aqui reproduzimos). e a segunda. e a terceira. não é a tua cena, é bem verdade. mas, que é isto..? o disco é de uma frescura incrível. que harmonias são estas? de onde vem este toque de absurdo nas letras, de humor quase cáustico e negligente, este lado absolutamente lúdico, esta vertigem semi-sinfónica, esta pitada de loucura, este 'twist que brilha'?

aconteceu o mesmo, há anos atrás, com o escritor douglas coupland. não gostavas. um dia, insistes e deslumbras-te.

quantos discos mais?

quantos livros mais?

quantas pessoas mais?

(..see my point?)

estação de inverno: 58ª estação




hoje, terça-feira, a quinquagésima oitava estação de inverno.


continuamos o roteiro poético traçado pelas palavras de rui pires cabral, na sequência do programa anterior. mais uma dúzia de poemas daqueles que rapidamente nos passam a habitar. poemas perigosos, porque interpelantes, inteligentes - e muito belos.

do lado musical, outra dúzia de coisas bonitas. cada uma delas mereceria, por si só, um longo parágrafo. fiquemo-nos apenas pela memória viva desse assombroso 'blonde on blonde' - mestre dylan, em 14 temas, assina, mais coisa menos coisa, 10 obras-primas. breathtaking, amigos.

e a primeira visita de 'o maquinista', um projecto português de 'spoken word', atravessado por um sopro poético. o mais modernamente clássico e o mais classicamente moderno, lado a lado? elementar, dear watson..


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09 março 2009




o leite que, ainda infantes, bebemos, enquanto nos preparamos minuciosamente para exercícios futuros de ultraviolência.


ou de como o zapping, em certas noites de televisão, é um desporto radical.

'laranja mecânica' é um celebérrimo filme de stanley kubrick, que assusta hoje como na data de estreia (1971, salvo erro). esse teste do tempo que nos diz o que fica da espuma dos dias - na arte como no resto.

violência sem finalidade para além de si própria ('eu sou o meu próprio sentido' - pensamento tenebroso porque irremediavelmente subjectivo), violência como coreografia (a, por vezes embriagante, beleza do mal).

medo. e génio.

06 março 2009



'(..) e sei que fomos felizes
na cidade mais triste do mundo. (..)'



rui pires cabral



:all your women things:

05 março 2009




- não gosto de algum 'bota-abaixismo editorial';
- não gosto da tendência 'caça-fantasmas' que assoma, de vez em quando;
- não simpatizo especialmente com o sr. director;
- não gosto de uma certa menorização do meu mui amado sporting club de portugal;
- não gosto de certa crítica que, por vezes, roça o 'delicodoce em circuito fechado';
- não gosto de mais umas tantas coisas, estou seguro.

dito isto, o jornal 'público', que faz hoje 19 anos, é o único jornal de referência que resta ao país, a par de metade do 'diário de notícias' e de metade do institucional 'expresso'. mas o 'público' ainda é, como dizer, inteiro.

ler o 'público' não é ter uma determinada concepção ideológica. não é pertencer a determinado segmento 'mais intelectual e bem-pensante'. pode ser tudo isto - como tudo, bem vistas as coisas, pode ser tudo e o seu contrário - e pode não ser nada disto..

ler o 'público' é simplesmente 'ter mundo'. e 'ter mundo' ajuda sempre a fazer do mundo um lugar um bocadinho melhor - mais civilizado, mais informado, menos rígido, menos fundamentalista, mais equilibrado. e, sim, também mais bonito.

parabéns a todos vós, que mostram uma tão coisa simples e tão importante, principalmente em momentos de crise (seja de que tipo for): afinal, ainda é possível. afinal, sempre tudo será possível.

ah, e porque o momento é especial, uma pequena confissão: já houve dias em que foram as v/ páginas que seguraram algumas furtivas lágrimas minhas. hoje, a título excepcional, merecem saber isto. fica dito, para que se saiba no 'great scheme of things' (essa genial formulação da língua inglesa).

04 março 2009

03 março 2009

diz-me aqui o velho transístor
que o mundo em branco se finou
por entre a bruma digitalizada
e todo o artifício da modernidade
que nos trouxe este século xxi
(vai largo e ainda agora começou..)
alto! que páre o poema e o seu leitor:

- e se fôssemos antes todos flaneurs,
dando alvas asas a uma nova cidade?

(lamentamos: o poema já se acabou..)

['forever young' é um original de bob dylan, aqui cantado por johnny cash]

estação de inverno: 57ª estação




hoje, terça-feira, a quinquagésima sétima estação de inverno.


pela primeira vez 'a solo' na 'estação de inverno', o terceiro vértice de um triângulo virtuoso (a moderna poética existencial da geração sub-40): rui pires cabral, completando o desenho iniciado por manuel de freitas e josé miguel silva. para escutar neste e no próximo programa, esta poesia rente ao osso, rente ao nervo..

numa daquelas conjugações que só acontecem em certos céus, uma constelação de canções cintilantes: m. ward, às voltas com a suspensão do tempo para principiantes absolutos; cat power, num belo e triste requiem; susanna, entre a montanha mágica de anteontem e a flores do mal de hoje; pj harvey, princesa destronada do desesperado reino do amor; as azure ray, implodindo com as suas guitarras de filigrana; bon iver, a brincar com balas acústicas e emoções electrificadas; jens lekman, a caçar a sua própria sombra (e umas quantas canções esquecidas)..

porque, às vezes, a beleza não faz prisioneiros.


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02 março 2009



with no neurosis
no psychosis
no psychoanalysis
(and no sadness)


pj harvey, 'the darker days of me and him'

01 março 2009

diz aqui o almanaque que toda a coisa mirra e se fina
como se houvesse no grande esquema das coisas
uma terrível e absoluta e profética maldição:
'rapaz: tudo em ti convergirá para a aniquilação!'.

eu que o almanaque só muito de vez em vez leio
penso com esse gesto leviano e desprendido
alcançar o meu propósito, ousar o verso final
(aquele que ri da sua própria margem de erro;
aquele que espanta toda dor num mudo berro):
ser-se touro e toureiro, ah! pecado capital,
fusão a frio, mão sem freio, beleza outonal,

- união de homem e fera na ponta de um mesmo ferro.