29 maio 2009

the boy with the thorn in his side*

há certos indícios que nos permitem antever a morte dos astros. há certos astros que nos permitem antever a morte de um céu particular. há certos céus particulares que nos permitem antever a morte do cosmos. há certos cosmos que nos permitem antever a morte do eu.

a morte do eu é claramente um exagero. o melhor é parar já as rotativas industriais e quejandos dispositivos digitais - que a morte do eu cheira aqui demasiado a figura de estilo. mesmo ao lado, portanto, do que poderemos conceber como 'figura do estio' - ou seja, sinais de fogo, sob o inclemente sol de verão.

poetas maiores fariam aqui, em bom rigor, a sua aparição. incendiários das planícies interiores, munidos de granadas prontas a deflagrar. versos mais ou menos arcaicos, citações religiosas, toda uma míriade de antecessores ilustres, espalhando fogo e devastação, sob a capa de metáforas, metonímias, sinédoques.. e todo o frenesim trôpego do carrossel semântico mais chic.

qual é a expressão seminal? via sacra. daqui até ruy belo e o seu portugal sacro-profano é um saltinho. mas não vamos dar esse saltinho, que a conversa é outra. falamos de vias-sacras, de fenómenos subterrâneos, de mares de azeite, de fogos-fátuos, de toda uma clássica cartilha de epifanias de cordel. isto de sacar de palavras mais depressa do que a própria sombra ainda nos levará por maus caminhos.. afinal, há ricochetes letais e nem todos dominamos a geometria dos ângulos balísticos.

por isso, senhor joão, o melhor é fazermos aqui um descanso, uma pausa, dobrar em mil o papel de embrulho - gigantesca paciência tecida a sangue, suor e lágrimas - e partir, por uns tempos, em busca de corto maltese. talvez esse longilíneo e distinto errante-entre-os-errantes possa ter a chave. talvez, nunca se sabe. ficar porquê? ficar para quê? não sabemos e este não saber pode ser tudo o que é preciso saber.

jorge de sena salta-nos ao caminho, saído por detrás de uma pedra em chamas. incendiada pela mesmíssima chama que consumiu o autor - esse auto-exilado lente e poeta que escapou de si mesmo, escapando da sua terra. escapou? morreu, sem o sabermos. como todos morreremos, qualquer dia. sem o saber e sem que outros o possam saber, nem sequer adivinhar. criptografia em estado de arte, inviolável.

os outros senhores, esses profetas do psicadelismo anacrónico (e, oh boy, tão bonito que nos dói) diziam recorrentemente, sob os auspícios da primavera lisboeta: all is lost and then you find all is dream. no fundo, talvez seja isso, não mais do que isso.

divino mago, alquimista judicioso, jongleur elegantíssimo: exorcisai os nossos fantasmas, agora e para sempre.

no fundo do fundo, reside a velha canção, irmanando criador e criatura: e não foram felizes para sempre.

no fundo do fundo, como dizia o velho resnais, no filmezinho encantador: é sempre a mesma cantiga, senhor joão.

e o senhor joão, vira-se num repente e sacando do lança-chamas movido a amor e napalm, diz a quem o quer ouvir: não vos posso exterminar? mas posso exterminar-me. e, esvoaçando com leveza e graça, soltou um último sorriso, unindo num abraço terno verão e inverno, céu e inferno.

ah, como é bonita a vida. ah, como há nela tão grande ironia, tão garbosa eloquência, como ela ultrapassa pela esquerda e pela direita a ficção mais delirante. ah, como é fulminante a vida, tão cheia de rendilhados improváveis, de ruelas esconsas, de becos que pareciam mesmo mesmo mesmo largas avenidas abertas ao futuro. ah, como é bonita a vida.

e o senhor joão, maltrapilho maltratado, senta-se no banco de jardim, indiferente aos 40 graus que juraria lhe torram os miolos literatos, mesmo juntinho ao sósia do poeta maldito americano, e logo lhe pede o cigarrito da praxe. já que a bomba está lá e é irremovível, que possa, ao menos, escolher o rastilho. e termine tudo num magnífico espectáculo de pirotecnia estival, para alegria das criancinhas.

ao largo, os carros passam e os trauseuntes tropeçam. impossível não ouvir a voz do chico cantando: 'morreu em contramão, atrapalhando o tráfego'.

('por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague. pela cachaça de graça, que a gente tem que engolir, Deus lhe pague')

havia um operário que construía catedrais e atravessava os séculos. cada vez que as guerras dos homens arrasavam uma das suas catedrais, ele sentava-se, sobre as ruínas e recomeçava. nunca tinha ouvido falar de sísifo, por isso era sempre possível recomeçar, acreditar de novo.

os amanhãs cantam, e se não forem os amanhãs, são os depois de amanhã, não é, senhor joão? é sim, senhor joão.

ah, rapaz de verso alexandrino em riste,

'grande asneira, rapaz, grande asneira seria
errar a vida e não errar a pontaria'.


summer came, summer went.

e tudo o que ele nunca souber dizer foi: eu só quero a porra do vosso amor. eu quero lá saber das estações e da poesia perfeita, dos poetas imaginados e do poeta imaginário, das grandes angústias universais e da física das catedrais, da astrofísica e da teoria das cordas, dos demiurgos e das fábulas celestes, da estética prodigiosa e dos turvelinhos existenciais. tudo isto é uma encenação meticulosa, uma teatro de sombras, kabuki ocidentalizado, manobras de diversão.

era um rapaz raro. depois banalizou-se. depois salvou-se. mas saíu no último intervalo e essa última parte já não viu. essa última parte nunca existiu. o almirante reis não faria melhor. ganha a guerra, mas perdida a batalha, finou-se por entre vivas à pátria e à revolução. interpretou mal os sinais. coisas que acontecem, afinal.

e não esquecer que em rodapé de valor acrescentado, um rapaz de 17 anos, algures na beira alta, envia freneticamente sms, repetindo: 'porque a beleza é o novo punk-rock; e a ternura a nova revolução'.

'where are you golden boy? where are your famous golden touch?'
leonard, leonard, era preciso ser tão exacto? não esperas pela demora! toma lá..


(..)
uma lágrima contida, quase ensimesmada,
contra um muro concreto, ali logo à frente,
procuras o travão ontologicamente ausente,
enquanto te despistas - tu e a branda islândia.

nuvens de chumbo, prédios a arder,
um travo amargo, uma visão alucinada.
depois uma dor insana, vertical, funda,
depois o muro

e depois nada.



[* credo, que título tão obscenamente óbvio, rapinando uma canção dos silvas lá de manchester. sabem que mais? rapaziada sentimental do mundo, uni-vos e tomai o mundo.]



je veux une vie en forme d'arête*




je veux une vie en forme d'arête
sur une assiette bleue
je veux une vie en forme de chose
au fond d'un machin tout seul
je veux une vie en forme de sable dans des mains
en forme de pain vert ou de cruche
en forme de savate molle
en forme de faridondaine
de ramoneur ou de lilas
de terre pleine de cailloux
de coiffeur sauvage ou d'édredon fou
je veux une vie en forme de toi
et je l'ai, mais ça ne me suffit pas encore

je ne suis jamais content



quero uma vida em forma de espinha
num prato azul
quero uma vida em forma de coisa
no fundo dum sítio sozinho
quero uma vida em forma de areia nas minhas mãos
em forma de pão verde ou de cântara
em forma de sapata mole
em forma de tanglomanglo
de limpa chaminés ou de lilás
de terra cheia de calhaus
de cabeleireiro selvagem ou de édredon louco
quero uma vida em forma de ti
e tenho-a mas ainda não é bastante

eu nunca estou contente



*boris vian
na vastidão sideral estrelada,
cometas fugazes a toda a hora.
precipício: mergulho: o nada..
hora de acordar e de ir embora?

28 maio 2009



you're gonna lose
you have to lose
you have to learn how to die



por estes dias, estará em lisboa uma daquelas bandas que estarão sempre a meio caminho entre uma coisa (mais pequena, mais livre, mais independente) e outra (maior, mais impactante). os wilco, banda de jeff tweedy, faz aquela coisa a que podemos chamar indie-rock, com uns travos bem bebidos nesse som e nesse sub-estlo musical que é, por vezes, chamado de 'moderna americana'.

nunca serão grandes. mas têm uma mão-cheia de canções daquelas que valem mesmo a pena. às vezes, nunca se chegar a ser grande faz-nos lembrar aquela velha máxima da estética minimalista: 'less is more'.

senhoras e senhoras, para quem quiser e puder, arrisquem comprar bilhete e ver ao vivo estes rapazes-já-pouco-rapazes.. é coisa para valer a pena.

(mas nós não sabemos nada de nada - isso nós sabemos. desde sempre.)





jesus, don't cry
you can rely on me, honey
you can combine anything you want
i'll be around
you were right about the stars
each one is a setting sun
fools for love, todos nós.

27 maio 2009

'(..) e isso ainda não aconteceu.'

3 poemas de rui coias

dizia
que viajar é poder partir-se para o lugar
em frente,
que cada lugar só impressiona porque sugere
a visibilidade do próximo.
e que no fim, quando abandonamos tudo
e já não ouvimos senão o repique dos sinos,
as paisagens deixam de existir para não
passar do que a respiração liberta.
“o que nos conduz é podermos sepultar o
corpo noutro lugar;
porque em todos os sítios passados deixámos o corpo
à vista do lugar mais próximo.”
percebi, sem que mostrasse algum temor,
que havia descoberto a transparência do mundo,
que fora auxiliado pela face
suspensa dos viajantes.
e lembrei-me como o tempo havia de ensinar,
desde a juventude à velhice,
que onde a beleza assola habituamo-nos a uma pausa nos
olhos, nas mãos e nos olhos que são o que nos diz do
pouco do que nos fica sempre.


se quiseres que eu me perca
buscarei outra ilha.
esperarei a sombra diante dos olhos,
o milhafre na ravina de crisântemos.
ao longe, correndo para a primeira luz do dia,
estarei à tua espera,
acenando com a mão esquerda,
avançando sobre o mar.
não te esqueças,
aprendi um dia como deus nos traz um sono
leve que nos cega.


não é difícil um homem apaixonar-se.
ferir a sua paisagem,
cinzas de um passado caído, fluente.
ao fim de vidas partilhadas pode ser que
diga “estremeci
durante anos sem te abraçar.” agora é tarde.
agora é tarde sobre a terra cercada.
por planícies ficou o desespero,
a dor lilás dos homens soçobrados
na paciência nocturna.
só depois do terror os cães ladram fielmente
aos portais da manhã, só
após o gume das vidas partilhadas.
“passei a vida a fugir para a tua boca,” e
confundo já o teu rosto
com um qualquer.



rui coias

26 maio 2009

'- quando olho as pessoas vejo-as sempre mortas,

- entram no teu olhar e ficam vagarosas a morrer?
- não. é já mortas que as vejo.
- mesmo as que amaste?
- nunca amei ninguém.
- não acredito.
- só poderia amar quem eu não visse morto. e isso ainda não aconteceu.'



rui nunes

25 maio 2009


a ilha de onde somos, meu bem, é pobre. não poderíamos levar a vida do jeito que levamos, ver gente às compras, igrejas assim bonitas, entende? lá, as coisas são escuras, nada fáceis, seu pai não teria possibilidades de sustentar a gente. quer dizer, seu pai ou eu, que mamãe também trabalha duro. portugal é coisa diferente lá das ilhas. que dizer, meu bem, claro que a gente ama cabo verde. às vezes, bate uma saudade danada que parece que rebenta a gente. mas gente tem que continuar, não é? a gente tem que pensar primeiro em você, meu sacripantas, e em sua irmã. a gente tem que botar na cabeça qu'as coisas são como são. um dia você vai entender, meu bem, um dia você vai perceber sua mãe.

'mata-me de amor'. a língua em que as palavras eram proferidas era incompreensível para ele. mas, defendendo-se da bátega que fustigava o céu de lisboa, ele juraria que era isso mesmo que a mulher dizia ao homem que, sob a mesma chuva, a abraçava com ternura e força. sempre foi assim. para além de todas as línguas do mundo, há uma outra linguagem, essa sim uma espécie de esperanto feito de quotidiano e gestos ora bruscos ora doces. uma língua que pobres entendem tão bem como ricos. gente letrada e gente vagabunda. gente sem tecto e gente com patine nos debroados dos casacos com três botões em linha. todos entendem, sem ser necessário dicionário algum. a chuva caía agora em cascata. ou então eram seus olhos, guardando para sempre aquele polaroid de um amor renascido de cinzas há muito extintas.

porque, dizia o ilustre, a questão não é salvar o amor. a questão é salvarmo-nos do amor, que entra a direito, qual faca em manteiga, e nessa correnteza leva tudo à frente - muretes artesanais, passeios alfaltados, jardins suspensos. a questão não é, nunca foi, como construir as catedrais. a questão é, sempre foi, como sobreviver à epifania que nos deixa prostrados. ou à visão proibida que nos mostra as vigas, as estruturas, por detrás da obra magnífica - e que nos faz duvidar da própria catedral. entre uma e outra, venha o divino adivinho e escolha. a questão nunca foi a resposta; a questão sempre foi a pergunta.

estação de inverno: 69ª estação




amanhã, terça-feira, a sexagésima nona estação de inverno.


a estreia na estação de inverno de mais um poeta editado pelo teatro de vila real: joão almeida. uma poesia pontiaguda, sem pontos de fuga, esta que nos traz o livrinho 'glória e eternidade'. poucas páginas, mas tanto para dizer; tanto para dizer, tão bem dito..

nas canções, um punhado de coisas bonitas. os outros e as outras que nos perdoem, mas neste programa brilharão em especial duas faixas: mestre dylan e o seu épico 'sad eyed lady of the lowlands' (a mostrar porque razão dylan é um poeta maior do século XX); e os the walkmen (quase epígonos do mestre, quando atingem o seu melhor ângulo), esconjurando os seus muitos fantasmas, nessa portentosa canção que é 'another one goes by'.

e a memória de joão bénard da costa, a quem este humilde programa é dedicado. pelo tanto que nos deu.


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[rádio zero: terças: 23h-24h; repete sábados: 14h-15h]
[ruc: madrugadas de domingo para segunda: 3h-4h]


21 maio 2009

in memoriam




com uma imagem de 'johnny guitar', esse especialíssimo western de nicholas ray, damos nota da morte do senhor joão bénard da costa, mítico director da cinemateca de lisboa, notável autor de textos sobre cinema e de crónicas impressionistas sobre tudo o que de transcendentemente belo a vida lhe mostrou.

não saberia dizer aqui, neste arremedo de texto, sempre próximo do precipício a que nos conduz a emoção, dizer o quão importante este Homem foi para mim. não no sentido de herói, nem de intelectual, mas naquele plano que pode ser definido pelo exacto e raríssimo cruzamento em que ética, estética, cidadania e arte se conjugam na mais formidável das constelações - depois da bondade incondicional e desinteressada (a suprema qualidade humana e, talvez, o maior dos mistérios).

o prazer que as suas páginas, mais tarde recolhidas em livro, sobre cinema, no saudoso jornal 'independente', me deram, nesses tempos de rapazinho; o deslumbramento perante a sua apaixonada - mas serena - defesa de um saber enciclopédico, intercomunicante; a sua muito particular forma de escrita, barroca, adornada, bizantina, rara; a sua pose de tio-avô generoso e com uma pitada de excentricidade; a sua irredutível aposta nos clássicos do cinema, na revisitação fervorosa desse arte maior entre as artes modernas; o facto de ser um conservador no gosto e de isso poder ser visto, curiosamente, como vanguardista.. tudo isto me fez admirá-lo, à distância. tantas vezes nos cruzámos, nos corredores da cinemateca, e nunca falei consigo, nunca lhe dirigi a palavra - para dizer um 'obrigado' que fosse.

há um mundo que nos está a morrer, todos os dias. o senhor era uma das poucas pontes, das escassas portas, que a ele nos conduzia. por isso mesmo, é irreprimível este sentimento de vazio e de perda.

somos, também, todos os que perdemos. o cortejo vai longo, demasiado longo. cresci a ler pessoas como eduardo prado coelho, leonardo ferraz de carvalho, joão césar monteiro, joão benárd da costa, victor da cunha rego e tantos outros. às vezes, penso que há todo um mundo que se foi. e que nos condenou a ficar, deste lado

mais baixo(s)
mais perto
mais fraco(s)

ficaram os anéis, foram-se os dedos.



19 maio 2009





1400 diz ali em cima,
como podia dizer ali em baixo,
os anos trouxeram consigo
esse escala nova
que ensina, tarde demais,
o quão relativo tudo é.

por exemplo, 4100 é mais ou menos,
quando comparado com 1400?
e se cair um zero por acidente
é ainda de 1400 que falamos,
ou, pelo contrário,
140 é toda uma outra coisa?

demasiadas interrogações
para um homem só.
só quer dizer o quê,
nessa mesmíssima escala
em que relativizas toda a
condição humana?

mais, menos, assim-assim?
sabes a resposta?
não, não sabes a resposta.

ali em cima, há pouco, 1400
soldados marchavam sob fogo inimigo.
mas tu pensas antes em coisas como
casualties of war (baixas e não acasos),
em friendly fire, esse falso amigo,
que tanto pode significar conforto
como o tapete em que cais
atingido no centro por uma flecha
vinda dos teus.

poderia ser: vinda dos céus.
mas, pensando melhor, não, não poderia ser.
vinda dos teus - assim mesmo é que é.

1400 soldados marchavam sob
impiedoso fogo amigo.
em cada um deles o mesmo destino:
tombar em combate, mantendo o garbo,
até nenhum deles restar.
até o exército aniquilado passar a ser
an army of shadows.

afinal, cumprindo enfim a sua sina.
cumprindo-se, enquanto te estatelas,
mais os teus soldadinhos de brincar.

quando fores para a guerra,
mede bem qual a táctica a usar.
ciência ou arte, pouco te importa.
a eficácia, isso sim.

estação de inverno: 68ª estação




hoje, terça-feira, a sexagésima oitava estação de inverno.


o regresso da densidade granítica, do 'pathos telúrico', segundo a.m. pires cabral - esse poeta austero e grave. partiremos de 'arado' (editora cotovia), a sua mais recente obra, para uma visita desoladora e comovente a trás-os-montes, geográfica metáfora.

de volta ao formato habitual, os sons crepusculares e as palavras pungentes de gente como beck, dawn landes, lloyd cole, emily jane white, noiserv, beach house, the beach boys, kelly mcrae, m. ward, susanna e mais uns quantos amigos das terras frias. e um pequenino espreitar para esse disco mítico que um dia essa 'banda perdida' que foram os love gravaram: 'forever changes'. como alguém disse: 'the best L.A. band - period'.

é isso mesmo: forever changes. forever chances.


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18 maio 2009




não percam. uma das coisas mais bonitas que andam por aí. um elogio do cinema, uma elegia do grande écran, uma ode ao poder mágico que a grande sala escura exerce sobre nós, espectadores, uma declaração de amor a essa que é, talvez, a arte por excelência do século XX.

34 filmezinhos de 3 minutos, assinados pelos senhores que podem ver no cartaz acima.

como diz alguém, naquele que kitano realizou:

- já chegou ao fim?
- ainda nem começou!


o amor pelo cinema. o cinema. a nossa experiência enquanto espectadores.

imperdível.
casa em ruínas


o xisto das paredes acolheu
os poucos desejos. o telhado
cortou os grandes frios da geada,
desviou a chuva das enxergas.
pelos postigos entrou alguma luz.
rezou-se e morreu-se nessa casa.

hoje as paredes vão-se aos poucos derruindo:
aproximam-se do chão de que nasceram.
como se se executasse nela
um antigo memento: quia petra es
et in petram reverteris.

há muito que o vento derrubou
a derradeira telha. caíram de podres
as vigas do telhado, e há já alguns invernos
que deram achas para arder no lume.
quase não há vestígios de postigos –
salvo uma floreira que parece ali
um capricho escarninho.

cumpriu-se na casa um ciclo.
hoje não tem serventia,
salvo para alguns animais furtivos
que a ocupam e lhe pedem afinal
as mesmas funções simples
que aquele que a edificou pediu outrora.

na sua decadência persistente,
a casa mete pena, como todos
os sonhos que algum dia floresceram
e depois se foram esfarelando.

está visto: as casas não têm
a mesma estouvada vocação
de eternidade
que atormenta os seus donos.



a.m. pires cabral, in 'arado'


[ou de como se escreve maravilhosamente sobre um tema transversal ao 'flores de inverno' - o trabalho da memória, a inclemência do tempo, a ruína dos sonhos, a vagarosa decadência, tudo o que foi e não será jamais..]

15 maio 2009

sim
tento agora
poema escorreito,
naquela esquina exacta,
naquelas escadinhas ali ao pé,
naquele corrimão verde carcomido,
mais tarde, naquela cadeira encarnada,
vogava eu e a minha memória - cadela danada.
cinefilia linguística rente ao ouvido,
sinal dos tempos é o que é,
ou então só vida intacta,
à espera de sujeito,
noite fora,

(como eu) à espera de mim.
foto: david nogueira (?)


não há nuvens cor de chumbo, nem aguaceiros verticais, que nos impeçam de pensar, naquele exacto momento em que a curva do tempo se curva perante a curva do espaço:

- como apetece, por vezes, ser feliz, nesta cidade!

14 maio 2009

11 maio 2009



when you're absolute beginners
its a panoramic view
from her majesty mt. zion
and the kingdom is for you

when you tumble upon that valley
shock of sparrow line the stairs
when the arrows start descending
then they scatter everywhere

on a bookshelf in california
sits the map of passageways
best to stumble upon mt. zion
to behold the natural gate

ah - ha

they say the original sinners
never felt a drop of pain
until that second in the garden
then they felt it each and every day

so draw back your bows you hunters
who have never felt that flame
but the absolute beginners
they are safe in the shade for today

estação de inverno: 67ª estação

amanhã, terça-feira, a sexagésima sétima estação de inverno.


um programa diferente, quase integralmente preenchido com a audição do disco 'os poetas - entre nós e as palavras', editado pela assírio & alvim, em 1997. um projecto que reuniu cerca de uma mão-cheia de poetas de referência do respectivo acervo (al berto, luísa neto jorge, mário cesariny, antónio franco alexandre, herberto helder) e os músicos rodrigo leão, gabriel gomes, francisco ribeiro e margarida araújo - de certa forma, músicos que gravitavam, por esses dias, entre os 'sétima legião' e os 'madredeus'.

ainda que musicalmente este não seja exactamento o registo típico da 'estação de inverno', a verdade é que o seu carácter sui generis, o facto de constituir uma oportunidade (rara) de escutar a voz dos próprios autores dos poemas e, razão mais afectiva, a possível influência para a génese deste programa de rádio, são razões suficientes para que o palco seja, esta semana, dedicado a este projecto.

melancolia e densidade. lucidez e incêndios. coisas assim.


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07 maio 2009




farto de tudo, ou de quase tudo (que as andorinhas serão sempre uma classe intocável, como aquela casta indiana que, anacrónicamente, mantém as golas arrebitadas e as calças impecavelmente vincadas), ele navega pelos blogs, naquele jeito luso-qualquer-coisa de se deixar ir, sem interesse propriamente dito, nem na viagem em si, nem em qualquer destino especial. o vento levá-lo-á, ou então a maré, impossível não lhe ocorrerem cinquenta e três aforismos ligeiramente desfocados (a palavra é: avariados). às vezes, farto de todos ou de quase todos (que as andorinhas serão sempre a sua privada guarda-avançada contra os apocalipses de fancaria), ele encerra-se a si próprio numa espécie de jardim - um espaço aberto em todas as direcções, mas, ao mesmo tempo, fechado ao mundo. a este mundo, logo acrescenta ao seu próprio 'flow' mental. conhecido por escrever mais depressa do que a sua própria sombra, às vezes, farto de tudo e de todos, ou quase quase, ele liga o gira-discos - a sua capela sistina portátil - e mergulha em abismos doces. há quem diga que nasceu aí a sua recorrente expressão 'my own private idaho' e não no filme homónimo. diziamos: ele pega num disco, cheio de poeira e rugas, cheio de suor dos dedos e de marcas de vida, ele pega num disco e, com desvelo e carinho, ajeita-o.. horas e horas depois, ele acorda. quase farto de tudo e de todos, mas um bocadinho menos farto. mexe na melena, passa o rosto por água (fria e forte, como ele gosta) e pensa: yeah, yeah, yeah..



so do i.

06 maio 2009

05 maio 2009


banda desenhada: simon du fleuve, de claude auclair


o mundo pós-atómico e desumanizado de simon du fleuve, como poderosa metáfora. e neva o tempo todo, ao que parece..

estação de inverno: 66ª estação




hoje, terça-feira, a sexagésima sexta estação de inverno.


as palavras de josé mário silva, a partir do seu mais recente livro, 'luz indecisa' (editora oceanos). uma poesia em que a biografia micro se transforma, com ternura e candura, numa espécie de reflexão ontológica macro. suavemente, a partir da subjectividade de quem se observa a si próprio a passar pelas esquinas do tempo - e de quem observa as marcas desse mesmo tempo em si próprio e dessa verificação a bisturi faz um tocante exercício de ora dedução ora indução, rumo a uma cosmogonia que tem tanto de pessoal como de universal. palavras a mais para explicar esta poesia? tanto melhor..

a abrir e a fechar o programa, o senhor bill callahan e o seu mais recente longa-duração: 'sometimes i wish we were an eagle'. um disco sem medo das feridas, é o mínimo que podemos dizer de mais um disco deste cultor de canções artesanalmente clássicas, sempre sempre num registo lento e atmosférico.

mas, musicalmente, a 'peça de resistência' do programa é bem diferente (embora igualmente bela): nick drake, em duas mãos bem cheias de canções. tristeza e melancolia, desencanto e lucidez mansa, como poucas vezes as terão encontrado.

aviso importante: este programa contém palavras e canções passíveis de impressionar ouvintes mais sensíveis - nick drake é para quem gosta de emoções fortes.


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04 maio 2009

uma grande e próspera nação..


foto: site festival indie lisboa 2009


ruínas
de manuel mozos

documentário, portugal , 2009, 60', beta digital

fotografia: luís miguel correia
música: anakedlunch
som: antónio pedro figueiredo, elsa ferreira
montagem: telmo churro
produção: o som e a fúria

fragmentos de espaços e tempos, restos de épocas e locais onde apenas habitam memórias e fantasmas. vestígios de coisas sobre as quais o tempo, os elementos, a natureza, e a própria acção humana modificaram e modificam. com o tempo tudo deixa de ser transformando-se eventualmente numa outra coisa. lugares que deixaram de fazer sentido, de serem necessários, de estar na moda. lugares esquecidos, obsoletos, inóspitos, vazios. não interessa aqui explicar porque foram criados e existiram, nem as razões porque se abandonaram ou foram transformados. apenas se promove uma ideia, talvez poética, sobre algo que foi e é parte da(s) história(s) deste país.


um portugal desconhecido que espera por si

por jorge mourinha, in jornal público


podia ser uma espécie de "rima" nacional com o magnífico ensaio autobiográfico-documental de terence davies "of time and the city" que o indielisboa também mostra este ano. ou podia ser uma viagem à misteriosa "zona" tarkovskiana que sandro aguilar (não por acaso um dos produtores...) explorou intrigantemente na competição do ano passado. mas o que o veterano manuel mozos (quatro longas ficcionais perseguidas pelas circunstâncias e uma dúzia de curtas) faz em "ruínas" é outra coisa: uma viagem emocional ao espaço do portugal esquecido do tempo.
"ruínas" é aquilo que o título indica: imagens de ruínas de espaços públicos, ilustradas por uma banda sonora atmosférica e por vozes off que parecem surgir do fundo dos tempos, lendo textos que pertencem a outras eras. memórias, instruções, relatórios, canções, correspondências, que correspondem ou não às imagens do restaurante panorâmico de monsanto, dos teatros do parque mayer, da barragem do picote, da estação de comboios de barca d'alva.
não há em "ruínas" uma narrativa, nem sequer uma lógica: apenas um retrato do tempo que passou sobre estruturas que em tempos foram úteis e que hoje estão abandonadas, sem nostalgias serôdias de "antes é que era bom" nem poesias elegíacas das "pérolas a porcos". "ruínas" é apenas um pequeno registo desapaixonado da erosão do tempo, como quem constata um facto, com a ironia distante de quem sabe o que estes sítios significaram e o modo como o tempo se encarregou de lhe trocar as voltas. num enorme colégio hoje abandonado, lê-se emoldurado na parede "portugal pode ser, se nós quisermos, uma grande e próspera nação". as ruínas do próprio colégio encarregam-se de o desmentir: todas as grandes e prósperas nações são construídas sobre as ruínas de si próprias. manuel mozos limitou-se a filmá-lo.

03 maio 2009

que idade, rapaz?








nunca percebeste inteiramente o que é um verbo transitivo
mas sempre suspeitaste que não andaria longe dessa coisa
que é a imparável marcha do tempo, com a sua corte de
despojos e destroços, impiedosamente deixados para trás.
agora que a primavera se anuncia por entre as ruínas da
tua cidade, branca e dourada como só nos sonhos sabe ser,
lembras-te desses longos dias de adolescência, inventando
jogos mil e coisas que, anos depois, vieste descobrir no
discurso fluente desse moderno imperador que reina em milão
- mind games, precisamente.
nessas tarde infinitas, nessas manhã de azuis rebentando
em direcções totais, nesses volteios do relógio que se
impunha aos teus ritmos de rapazola em processo pleno de
crescimento, sabias encontrar na beira da estrada, no bico
de um pardal, nos caminhos que descobrias sempre montado
na tua bicicleta ou, um pouco mais tarde, na motoreta do
avô, um universo impoluto, aventuroso, formidável em tudo
o que te dava e, como se não bastasse, no que te prometia.
era o tempo dos relatos de rádio, das futeboladas por tudo
e por nada, dos épicos despiques em carrinho de esferas,
da descoberta das músicas do mundo (sempre tão importantes).
de quando em vez, aos pinotes, archote em combustão total,
saltavas de janela em janela, pulavas por cima do sofá lá
de casa e suspendias esse juvenil frenesim de frente para
a televisão: sporting e benfica (buuuhhhhhh!), a volta a
portugal em bicicleta, os mundiais de atletismo, os jogos
olímpicos em todas as suas declinações - altius, fortius,
como era mesmo? -, coisas próprias de um rapaz de província
furiosamente interessado pelas coisas do mundo. futebol e
franz kafka, ocultismo e alain prost, joaquim agostinho por
entre grossos tomos de história - fome de tudo, que dizer..

no dia da morte de joaquim agostinho, tinhas 11 anos.
no dia da morte de ayrton senna, tinhas 21 anos.

e no dia da morte da vida, que idade tinhas tu, rapaz?