21 maio 2009

in memoriam




com uma imagem de 'johnny guitar', esse especialíssimo western de nicholas ray, damos nota da morte do senhor joão bénard da costa, mítico director da cinemateca de lisboa, notável autor de textos sobre cinema e de crónicas impressionistas sobre tudo o que de transcendentemente belo a vida lhe mostrou.

não saberia dizer aqui, neste arremedo de texto, sempre próximo do precipício a que nos conduz a emoção, dizer o quão importante este Homem foi para mim. não no sentido de herói, nem de intelectual, mas naquele plano que pode ser definido pelo exacto e raríssimo cruzamento em que ética, estética, cidadania e arte se conjugam na mais formidável das constelações - depois da bondade incondicional e desinteressada (a suprema qualidade humana e, talvez, o maior dos mistérios).

o prazer que as suas páginas, mais tarde recolhidas em livro, sobre cinema, no saudoso jornal 'independente', me deram, nesses tempos de rapazinho; o deslumbramento perante a sua apaixonada - mas serena - defesa de um saber enciclopédico, intercomunicante; a sua muito particular forma de escrita, barroca, adornada, bizantina, rara; a sua pose de tio-avô generoso e com uma pitada de excentricidade; a sua irredutível aposta nos clássicos do cinema, na revisitação fervorosa desse arte maior entre as artes modernas; o facto de ser um conservador no gosto e de isso poder ser visto, curiosamente, como vanguardista.. tudo isto me fez admirá-lo, à distância. tantas vezes nos cruzámos, nos corredores da cinemateca, e nunca falei consigo, nunca lhe dirigi a palavra - para dizer um 'obrigado' que fosse.

há um mundo que nos está a morrer, todos os dias. o senhor era uma das poucas pontes, das escassas portas, que a ele nos conduzia. por isso mesmo, é irreprimível este sentimento de vazio e de perda.

somos, também, todos os que perdemos. o cortejo vai longo, demasiado longo. cresci a ler pessoas como eduardo prado coelho, leonardo ferraz de carvalho, joão césar monteiro, joão benárd da costa, victor da cunha rego e tantos outros. às vezes, penso que há todo um mundo que se foi. e que nos condenou a ficar, deste lado

mais baixo(s)
mais perto
mais fraco(s)

ficaram os anéis, foram-se os dedos.