30 junho 2009

isto de se ser vagabundo sem eira nem beira é um cabo de trabalhos. quero eu dizer: tudo na vida assenta, para os personalistas como eu, no velho princípio da liberdade de escolha, na primazia da vontade como força motriz criadora e transformadora. ora, retirada a liberdade de escolha, todos os papéis nos são estranhos. quero eu dizer: talvez das profundezas de um qualquer 'actor's studio' saia um qualquer 'método' capaz de nos tornar seres plasmáveis, capazes, mais do que simular com autenticidade, de fazer o 'embodying' dos personagens que, a cada momento, nos são distribuídas / nos tocam em sorte (riscar o que não interessa). quero eu dizer: talvez haja essa capacidade técnica, mas só serve a crentes na infalibilidade do método. quem, como eu, não acredita, acha-se em terra estranha com demasiada frequência, como se vestisse roupas que lhe são inteiramente alheias. é esta noção de desconforto quotidiano que sinaliza as correntes subterrâneas - essas sim, vitais / letais (riscar o que não interessa). quero eu dizer: isto de se ser vagabundo por força das circunstâncias é uma treta. qual jack london, qual jack kerouac, qual 'estrada fora', qual romantismo cheio de cornucópias e rendilhados. a imparável força da história, a dialética incontornável, o devir - tudo uma bela cantiga de bandido. quero eu dizer: não me estava nada a apetecer mergulhar, de novo, na multidão. não me apetece nada fazer novos amigos, procurar o teu rosto em cada rua que cruzo, atrás de qualquer vidraça. quero dizer: estou cansado. quero dizer: não sei como dizer o que quero dizer. quero dizer: já disse. quero-te dizer.