17 junho 2009

- tu que és poeta......
- pateta, queres tu dizer..
- hã?
- esquece. dizias..
- tu que és poeta, diz-me lá o que é que vale a pena ler em português. poesia, poetas, o que é que um gajo deve ler?
- mas que raio de pergunta, pá. queres uma resenha histórica sobre a nossa poesia? queres uma dissertação sobre as poesias geracionais do século XX? ou sobre as correntes estéticas? antiga, clássica, moderna ou contemporânea? em língua portuguesa ou os palops e alguns excêntricos estrangeiros que escrevem em português também servem?
- raios te partam, pá. 'tás a gozar ou quê?
- não, pá, como na anedota, 'tou a levar isto muito a sério..
- diz-me lá, então, os teus preferidos, por exemplo!
- ok, aí vão. ruy belo, mário cesariny e antónio maria lisboa, manuel de freitas e rui pires cabral, josé miguel silva, ana luísa amaral, algum eugénio de andrade. são os que me ocorrem, mas faltam tantos. jorge sousa braga. sei lá, pá.
- não conheço quase nenhum, caraças.
- estranho, para quem passa os dias de fronha enfiada na cinemateca e, deixa-me dizer-te, para quem escreve bem como o diabo. falo de ti, pá, que cara é essa?
- pois, mas um tipo é sempre ignorante em tantas coisas.
- isso é bem verdade. estás aristotélico na tua lógica. ou será cartesiano?
- não me gozes, pá.
- não te gozo, pá.
- eu gosto mesmo é daquele gajo maldito, americano acho. o bukowski. conheces?
- sim, conheço. gosto muito.
- é isso, pá. a autenticidade, escrever cá de dentro, uma coisa visceral, torrencial - entendes?
- sim, entendo. gosto muito. chamo a isso uma estranha forma de sobrevivência, para quem vive atormentado pelos demónios da lucidez.
- falas sempre assim? és curtido..
- quando quero, falo sempre assim. possuo um vasto manancial de recursos estilísticos, um fabuloso e estrepitante arsenal de vocábulos, domino formulações linguísticas arcaicas e nunca adormeço sem ler a enciclopédia..
- hã?!??!
- 'tava a brincar. mas diz lá, o bukowski o quê?
- gosto, pá. gosto à brava. pena não haver nenhum bukowski português.
- mas há.
- fogo, tu, sempre no gozo.
- nada disso. conheço pelo menos um, em campolide. físicamente, quero dizer. até aparece regularmente nos meus escritos num blogzeco que semeei - é a minha arte da jardinagem, em formato moderno e digital.
- e falares em português?
- certo. pois, o bukowski português. olha, assim de repente, lembro-me do antónio gancho, o tipo de braga. conheces?
- não.. diz lá o nome outra vez!
- antónio gancho. quase miserável. obra escassa. anos a fio num hospício. antes de morrer, consta que se desatou a rir. um certo sentido estético dos cigarros em riste. estás a ver o 'man'..
- tenho que ir investigar esse capitão gancho. isso na net dá alguma coisa?
- dá sempre, não é?
- pois é.
- mas há mais, para além do general de braga.. olha, conheço um rapazola que em dias especiais faz belos pastiches de bukowski. queres ver? tenho aqui na algibeira. diz assim:


ao charles bukowski


hoje ao almoço, atravessei o bairro
naquele passo de sempre.
quero dizer: o bairro que atravessei
é uma metáfora.
por isso dizem: triste pândego, usa
a linguagem a seu jeito,
é um lesa-linguística, uma lesma do pântano!
pobres literais, pobres literatos.
não sabeis vós por acaso como se escreve
a pôrra de um poema?
não sabeis vós como é que
um homem atravessa o bairro
e ainda assim sobrevive?
pois eu digo-vos:
esqueçam o terço, a arte sacra,
esqueçam o basketball e a soap opera,
misturem, e sejam generosos,
meia amarguinha portuguesa
com toda a vossa amargura.
puxem-lhe um fósforo - bum!.
depois metam conversa com todas as miúdas.
eu disse: todas. essa também.
façam a estatística trabalhar para vós.
aproveitem todas as manhãs,
tardes,
noites,
perdidos na cama delas.
quando acabar, comecem de novo.
e, de súbito, tudo terá passado.
sereis apenas memória largada ao vento,
sugestão num rodapé sem brilho,
um nome longínquo.

esta manhã, ao atravessar o bairro,
pensei em ti com toda a força que não tinha
e, o diabo me leve, se não foi
a melhor coisa que não tive em anos.



- é isso, pá. é isso. entendes o que eu dizia?
- entendo, amigo. perfeitamente. já sabes: antónio gancho. vai e dá-lhes que fazer.

1 Comments:

Blogger Abssinto said...

:)

Abraço, bukowskiano amigo.

segunda-feira, junho 22, 2009 12:06:00 da manhã  

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