27 julho 2010


na tarde do passado domingo, entre pequenos passeios pelo bairro e um passeio de carro com um objectivo bastante mais preciso, oscilei entre trocas de sms - esse diletantismo algo dandy moderno - e a leitura de um livrinho de poemas de rosa alice branco, cujo nome me escapa, mas que terá sido uma das últimas obras colocadas no mercado pela chancela da agora extinta editora quasi (do jorge reis-sá, para os mais sabedores destas coisas).

isto para dizer uma coisa tão simples: o que eu gosto da rosa alice branco. dos seus poemas transbordantemente humanos, dessa sua feliz forma de conjugar 'as pequenas coisas', dando-lhe transcendência, beleza e uma pontinha - justa - de emoção.

chama-se rosa alice branco, é professora universitária, ensaista, poeta, etc. é uma mulher que vale a pena conhecer - ou melhor, é uma autora que vale a pena conhecer.

ah, e já me esquecia, é das poucas pessoa que sabe escrever sobre o amor erótico com elegância, pungência, urgência, sensualidade - coisa nada pouca se considerarmos o limitado canône do erotismo literário em Português..


a irreversibilidade do tempo

não te importes amor
se tivermos a alma em desalinho.
amanhã cortaremos as sombras do quintal
sem acreditar que as sombras devam ser
sombrias. mas é reconfortante acreditar na língua
e na sabedoria popular
e em tudo o que nos torna cúmplices.

não te importes se for outono. nunca pensaremos
que as coisas declinam porque nos amamos,
conjugaremos todas as estações com este amor,
pagaremos os impostos - agora é mais fácil
com o multibanco -, escreverás cartas
e algumas deixarás de escrever
porque as penas do edredão são leves
e não é saudável resistir ao amor.

não te importes se estivermos ocupados
com pequenas coisas. és tão belo
a limpar a louça como a dizer um poema,
a arrumar os papéis ou a desabotoar-me o vestido.
pão nosso nos dai hoje e a torradeira amanhã bem cedo,
o forno quente, a manteiga a escorrer, a tua mão a segurar
a chávena e todas as coisas que nos fazem sorrir
só porque nos amamos e o sabemos
por hoje e pelo tempo que virá,
porque resistimos à burocracia e ao cansaço,
porque aprendemos a olhar o rio
a ver como é diferente quando o dia nasce, quando
a noite cai, quando uma chuva miúda torna a terra fértil
e cheira a estrume, a merda de alcatrão lavado.

não te importes amor se hoje te amo tanto.
amanhã tem mais uma sílaba
e é com ela que te conjugo entre os lençóis.

rosa alice branco

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

bellezza...

senza parole

terça-feira, julho 27, 2010 12:09:00 da tarde  

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