29 agosto 2010


perguntam-me, por vezes, vozes interiores: porquê tanto rohmer, meu rapaz? é tudo deleite estético? ou antes terapia narrativa? é o quê? tudo isso também, meu senhor. mas, acima de tudo, talvez lhe possa dizer, caro cavalheiro, que o cinema de rohmer sempre me fez sentir em casa. e isso é confortável, daquela maneira em que nos faz sentir menos freaks. dito de outro modo: é também uma forma de mostrar o que me vai acontecendo: por detrás de uma fina película ficcionada, as placas tectónicas mexem-se. talvez sejam invisíveis, improváveis, inverosímeis, para si - mas são apenas, quando decantadas pelo olhar, um fiel retrato do que os dias vão trazendo. a espuma dos dias, melhor dizendo. acho que entendo. se assim é, não queria estar na tua pele. meu senhor, não tem importância, estou habituado à estranheza e ao sublime, de certa maneira. também não queria estar exactamente na minha pele. mas estou. vá-se lá fazer o quê, caro cavalheiro? assim é, rapaz, assim é. lá virá o dia em que verás o teu raio verde - até lá, aguenta as marés, sem te afogares. é isso que te posso dizer, do alto dos meus oitenta e cinco anos. ou noventa e dois.

je suis elle. elle est moi.