11 outubro 2010

talvez a imortalidade também seja isto:
fechar um livro, embriagado ainda
pelas palavras-bisturi,
e sentir os braços tremer,
a pele arrepiar-se,
o sangue a carburar em silêncio e fúria.

a transfusão de sangue entre autores e leitores
não é, em certas tardes, bonita de se ver.
mas, como junto a tantas camas de hospital,
há operações simplesmente necessárias.

nunca pensei aproximar médicos e poetas,
num poema.
mas uns e outros têm, à sua maneira,
o dom da vida.

faltam aspas, claro,
mas não é o meu melhor dote
exercer a pontuação mais exacta.

os médicos juram defender a vida,
discutindo acesamente a morte consentida
- basta ler jornais para o sabermos.

os poetas não pensam nisso, aposto.
mas deviam.
também eles prolongam certas vidas,
para além da última oportunidade.

sem juramento ético,
alegam o quê estes miseráveis?

a grande irmandade do desespero
não aceita desistências.