29 novembro 2010


dizias, amiga?
saí para comprar jornais, e não cigarros, na tabacaria de bairro. da porta, vindo do frio final de tarde, ali estava ele, o manuel, o mais triste (e o mais certeiro, infelizmente) poeta da nossa adiada geração (sim, isto é alexandre o'neill, o tal do país adiado). saudámo-nos, com cortesia e alguma dificuldade, como acontece entre certos homens que se medem, certos da admiração que sentem um pelo outro (e também por medo da lucidez pontiaguda das palavras que essoutro desfere, mesmo que com a cortesia devida aos estranhos). até à próxima - foi assim que me despedi do manuel, e uso aqui do mais cartesiano e objectivo rigor descritivo.
devolveu-me as mesmas exactas palavras, como se, de certa forma, as palavras não fossem mais do que um boomerang (e penso em lâminas geladas, desculpa). no dia seguinte, a pequeno-burguesa livraria estava já atafulhada dos costumeiros compradores compulsivos (não vale a pena abastardar a palavra que seria certa, Natal, já nem vou explicar-te o porquê..), que tratam os livros como mercadoria (quando são hóstia sagrada). escondido, por detrás de tomos desinteressantes, lá estavas tu, josé miguel, amigo do manuel, insígne poeta também e também tu cultor dessa amarga lucidez a que muitos chamam a enjoativa poesia do concreto, da fealdade, um mero despejar de maleitas e vexames que mais valia ficarem para todo o sempre encarcerados em gavetas lá de casa. sempre assim foi: os mais sábios, os mais lúcidos, são uma ameaça para os situacionistas, os escapistas, os manipuladores, os tolos da freguesia. sim, sempre assim foi, manuel e josé miguel. nessa mesma tarde - escura como breu, afinal era inverno outra vez -, viajámos juntos por essa itália tão tua. e nunca itália me pareceu um país tão triste, um cenotáfio tão estéril, uma sombra eterna e glacial, como nos teus poemas de viagem, nesse anti-lirismo sufocado e (ab)surdo. terminas o livro, josé-miguel-amigo-do-manuel-vizinho-meu, com essa lição descoroçoante: "lembrem-se, vós que passais, que o benefício do banquete é a observação dos convivas". no niilismo deste aforismo, deixei-me cair a pique, no que fui seguido pelo dia e pelo resto - todos em desamparada queda livre. e eu, como kiarostami, uma perfeita "copie conforme" de toda essa tristeza funda e original, repetida em mim, "ad eternum e ad nauseam"..

dizias o quê, amiga?

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

(q t a )

segunda-feira, novembro 29, 2010 7:15:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

'Se tentasse descrevê-la (a tristeza), consiguiria apenas dizer que poderia ser comparada à de uma pessoa que aguarda à torreira do sol o troar do canhão do meio-dia e que, de repente, se apercebe de que o momento passou sem que o silêncio fosse violado; põe-se então a perscrutar o vazio da espera, algures, no céu. Essa pessoa experimenta a impaciência devastadora de esperar uma coisa ardentemente desejada que tarda a chegar; e, assaltada por uma dúvida horrível, tenta convencer-se de que provavelmente aquilo por que esperava já não virá. É a única pessoa em todo o mundo que sabe que o canhão não troou subitamente àquela hora.'
x

terça-feira, novembro 30, 2010 8:31:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

não dizia nada. nada há a dizer.
a.porque não sei dizer mais nada. a x e todas as outras já disseram tudo. já dizem tudo. sempre, a toda a hora, por isso nada mais sobra para dizer.

domingo, novembro 18, 2012 10:39:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home