14 dezembro 2010

aqui estamos, são 23h de sábado, encharcados em jornais de sexta e semanários. adivinhamos que lá fora há outra cidade, a cidade que um dia foi nossa - mas isso foi há tanto tempo. dizia-te, tal como acontece com as canções, os livros, todas as belas artes, que somos forçados a deixar de frequentar, com a morte do amor, há uma alteração geográfica - física, podes dizer - que acontece no espaço que habitamos. todos o sabemos, de quando em vez. sim, assim é, nada podemos verdadeiramente fazer quanto a isso. esquece os amigos, longe, nas suas vidas. esquece as conquistas antigas, esses escombros talhados a cinzel na tua memória - quero dizer, na minha memória. nada de nada ajuda, farmacopeias incluídas. temos que refazer as coordenadas e saber abdicar com dignidade. ora abdicar é uma fina arte, se por acaso usássemos o inglês entre nós. esta cidade não é a cidade intensa, febril às vezes, alegre, solar e nocturna que conheci. o coração de sábado à noite, cantado pelo tom waits e decantado em carne viva naquele livrinho do manuel de freitas, pode ser cruel. mas, antes ou depois, chega o momento em que o ínclito príncipe abdica. eu abdiquei desta cidade. da cidade que já foi minha, tantas e tantas vezes. da cidade que perdi, outras tantas. é este também o jogo da vida, esta corda tensa que vamos manuseando como podemos, entre distensões curtas e o medo de que a tensão exagerada conduza a uma quebra. na corda, como na mão. como no coração. é sábado à noite, não saio de casa há 3 meses. descubro outras coisas, faço o luto da cidade e da memória e da alegria. da pele, do rosto cinematográfico, da pele. desculpa-me o desabafo. desculpa-me o embaraço. mas, como diz a outra senhora de que muito ambos gostamos: só não me desculpes a ternura.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

'É isso o luto: viver uns dias como se estivéssemos mortos, outros espantados por termos voltado a viver (a rir, a comer, a ter preocupações mundanas e fúteis, em suma: a esquecer), mas ainda e sempre com um medo retrospectivo do que aconteceu. Talvez não se deva lutar contra o luto. Estar de luto é deixar de procurar o amor de quem morreu e aceitar que o mundo será para sempre imperfeito. É fechar uma porta para a luz e descobrir que não há lugar onde o coração se possa sentir em casa.'Maria João Freitas
é assim, mas talvez voltemos a encontrar um novo coração para habitar. até sempre.
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terça-feira, dezembro 14, 2010 3:23:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

caro(a) leitor(a),

interrompo aqui o meu crepuscular silêncio face aos 'comments' que vão sendo semeados, para sugerir que me contacte pelo endereço de e.mail deste blog:

flores_de_inverno@hotmail.com

o intuito é simples e bem-intencionado: na ausência de mais dados, perceber o que (me?) quer dizer, ao longo destes últimos tempos, nos seus 'crípticos comentários'..

muito obrigado, desde já.

flores gentis,


gi.

terça-feira, dezembro 14, 2010 8:38:00 da tarde  

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