29 abril 2011

it's a wonderful life

claro que não é natal, dir-me-ão os mais atentos. claro que não é sempre assim e que há no título deste ultraclássico filme um exagero vitalista, próprio do new deal norte-americano, essa década prodigiosa em que uma nação inteira se reergueu das cinzas capitalistas, para se reinventar. sabemos isso. mas sigam-nos, um bocadinho..

dizia alguém, ou algum livro ou algum filme, que nunca sabemos os contornos que um determinado dia assume. isso é, para o bem e para o mal, um dos irresolúveis mistérios da nossa vida. esse carácter transitório de tudo, mas que pode ser lido de duas maneiras (como quase tudo, sim, como quase tudo). hoje, optamos pelo lado luminoso, for a change.

que raio de dia é este que começa e se prolonga, dia fora, numa espécie de 'modo funcionário' (trabalho, responsabilidades, reuniões, paredes cinzentas, um longo e fastidioso e desinteressante etc.), para, num golpe de rins, nos agarrar pelos colarinhos e nos meter na paris de 1965, guiados pelo génio iconoclasta de jean-luc godard (JLG) e pela fúria comovente de jean-pierre léaud ("masculino feminino" é o nome do filme)?

e ali estamos, há mais de 40 anos, antes de nós, mas tão próximos - sempre tão próximos de tudo. algures, a meio da película, num dos muitos e célebres inserts que é comum encontrarmos nos filmes de JLG, aparece a frase: "a pureza não é deste mundo". por isso, talvez por isso, a personagem habitada por jean-pierre léaud termine mal, num acidente estúpido. não há lugar para a pureza, parece dizer-nos JLG, mas, de facto, o que vemos à nossa frente é cinema em estado puro. e, quando saímos da sala, o que trazemos em nós? um suplemento de paredes brancas, prontinhas a serem grafitadas. pureza é acção e acção é liberdade. liberdade + igualdade na(s) possibilidade(s) = fraternidade. convenhamos que já vimos utopias piores ;). e muito menos bem filmadas ;).

depois, depois é um atropelo de pequenas coisas. conversas que começam mal e acabam bem, num maravilhoso exercício entre irmãos. um taxista que conhece por dentro o sítio onde nos dirigimos e nos conta uma pequena parte da grande história da imprensa portuguesa do século XX. que nos deseja boa sorte e que nos entende perfeitamente - o olhar, mesmo pelo retrovisor, diz tudo - quando lhe atiramos que precisamos de reinventar países interiores.

depois, depois há um hiato. algures, entra uma pista de dança ligeiramente improvável, bolas de sabão (soooo retro-chic!), bits and pieces cor-de-laranja, hits musicais de gosto, digamos, discutível [doctor beat? pump up the jam? woodpecker from space? wtf?! ;)], mas bastante adequados ao momento, e aquela ideia suave de que, nas metafóricas galerias, haveria decerto quem pensasse que 'para a próxima venho de calções', ou 'com uma camisa de alças como aquela' ou talvez 'de camisa preta'.

it's a wonderful life? almost. sometimes.

e é isto que vos queria dizer.