19 outubro 2011

escrevendo mentalmente a resposta ao mail que recebera nessa mesmo manhã, enquanto pensava que estaria, nesse mesmo momento, a atravessar uma estrada, replicando os passos do dia anterior de alguém, vistos através do vidro panorâmico de outro alguém, que misturava a observação visual do primeiro alguém com notas mentais sobre outros alguéns. “cosa mentale” era a expressão que me ocorria agora, e pensava que o tempo poderia ser, talvez, retrovertido, fazendo da observação original dos passos de alguém vistos por alguém, afinal a réplica do acto fundador (os meus passos, aqui e agora) – e não o contrário. mas se isto resolvia a equação no tempo, não resolvia o puzzle mental. quem pensara primeiro, afinal? e quem replicava e quando a matriz inicial? tinha cinco anos, a primeira vez que me ocorreram coisas destas. dei um salto espantado com a buzina que me passou de raspão e que me pareceu antes o uivo de um navio prestes a partir para os mares do sul. trabalhar cansa, principalmente se uma pessoa lhe deita mãos logo pela manhã. enquanto estugava o passo, observava, pelo canto do olho, bolaño e cortazar a bebericarem o café da manhã, enquanto trocavam apontamentos. bolaño era ainda um jovem, enquanto cortazar apresentava já uma barba que lhe dava autoridade e gravitas. a cidade era lisboa, ou não estivesse um céu azul-dourado de agosto em pleno outono – daquelas coisas que não salvam nações inteiras, mas que, segundo velhas religiões, salvam muitos homens. e bastantes mulheres..