23 fevereiro 2014

14 fevereiro 2014

No cimo do vulcão, encostado aos ninhos,
um arco de lava sustenta os morros já
partidos pelo tempo. É uma ameaça que
seca as plantas e corrói os bichos. As garras
descem do luar para dentro dos rochedos,
sustentando a ilha, deixando que as mãos
do vento desfaçam os seus segredos e a
matem devagar.

Era esta a fala da mulher,

(E se eu enlouquecesse) e entrasse num
mar branco, descendo pelas colinas ao teu
encontro, com os vestidos desfeitos pela
chuva, por entre as pedras grandes. E tu,
no teu silêncio, a olhar para as espigas
que rompem dos canaviais ao lado das
jovens flores do Inverno. O teu rosto gravado
no carvão e tu à espera, sentado, sabendo
que é dali que nascem os deuses dourados
e os anjos que combatem o sol.

E o homem,

é o teu corpo que eu quero na areia negra,
as tuas cicatrizes, o andar dos teus dedos
nas rochas que subitamente emergem para
te sararem as feridas e envolverem de algas
o teu cabelo.

As aves viajam pelo tempo, diz ele,

aguardam a chegada da noite como os
homens nas varandas das casas. Sonham
com a morte da água, com a sua raiz mais
funda, criando com esse pensamento uma
zona de pássaros.

E se eu morresse nesse encontro da lua
com o fogo,

é a fala da mulher,

e o meu corpo se partisse contra o vazio
no meio dos pequenos salgueiros,
enfrentando todos os lados da erosão,
tu olharias para o verde que tapa a ilha
e gritarias para os barcos ao fundo nas
pontas da espuma, na lagoa gigante.

O vulcão nasceu para ti,

diz o homem,

para que a tua boca se abrisse encostada
às suas costas e o envolvesse de névoa
e de bálsamo, desenhando desse modo
todos os sulcos e o lugar das plantas.
Porque ele é o alimento da ilha, é o seu
chão.

E o homem ainda,

É ali que as gaivinas fazem os ninhos,
assustadas com a cor do barro. Até que
o vento acabe de vez com as dunas e
o teu corpo ressuscite para dentro das
conchas.

As luzes morrem por cima dos telhados
entre dois pinheiros e há o ferro que
delimita as casas, o bolor construído
pelas aves.

Uma pequena enseada vazou-.se,
desapareceu no meio dos navios. E todos
os náufragos se encostam às paredes, aos
ninhos que a espuma constrói dentro das
rochas, nessa escuridão, na pele doente.

É a pele do vulcão vencida pelas beladonas,
pelos regos de chuva, pelo sal.

E o homem diz,

vejo as nuvens no cimo dos morros, como
crostas. É o teu corpo que se dissipa na
paisagem, o teu sangue. São as ervas
selvagens, o calor. Tudo se estende pelas
tuas veias, os barcos, a saliva, o vinho.

É o fumo que sai das grutas, são as
hortênsias,

é a fala da mulher,

é o teu olhar que desenha a curva das
estradas, a cor das colinas, as bermas
roídas pelo mar. É por ti que nasço para
os dias porque és tu que seguras as casas
por onde passa o meu corpo.

E o homem,

o vulcão é meu, inventado por mim, como
um cavalo a subir para o prado mais alto,
galgando os muros, como um homem
antigo invadindo as aldeias do norte. Um
homem refugiado no silêncio, despido contra
o fogo, à tua espera.

(E se eu enlouquecesse), é a fala da mulher,

e encostasse o vulcão ao meu peito. Ou
o levasse para o meu quarto escondido na
água. E a tua dor fosse maior do que a lava
que o sustenta.

A ilha inclina-se para o sol. Mas a cratera
resiste no seu espaço criando musgo dentro
do nevoeiro. Tudo se passa à margem da
chuva, com as mãos que seguram a humidade
do rosto. Há ali dentro um monstro vivo, um
fulgor.

É ali que as tuas danças renascem a cada
momento, quando a sombra passa pelas
escarpas e deixa nos degraus o desenho
de uma estátua.

Diz o homem,

quero-te lá, definitiva, na boca da terra, à
passagem do frio, anunciando as luzes e
os morcegos, como se os dias se fechassem
dentro de búzios, na sua música, no seu
andar pela areia.

São os tambores, diz ele,

é o anúncio da paixão, a poeira que ferve
no vento, a argila, os gritos.

E depois deito-me no lodo, é a fala da mulher,

e aguardo que o teu vulto se sobreponha à
montanha e a rasgue pela floresta adentro
como um incêndio que se aproxima das
tábuas e as devora.

É ele, o vulcão, insiste o homem,

é o seu dorso que eu vejo desenhado
na noite, é ele que manda no horizonte.

É o recomeço do amor, diz ela,

o líquido que corre debaixo das ervas.
É a ilha, a sua fabulosa construção,
a sua fenda.

E o homem,

são os seus dedos que se pegam ao meu
peito como espinhos.

És tu, diz a mulher,

o teu olhar sobre uma morte antiga.

Somos nós, dizem eles,

o vulcão e o mar, os deuses que tocam
na terra e pintam os caminhos, os faunos.

É a dor, acrescentam,

são todos os objectos que pertencem às
colmeias, o lençol que cobre a cintura,
a mancha que sobe pela cinza, os ombros.

E se enlouquecêssemos,

e nos acorrentassem aos navios e os
homens fossem recolhendo para nós
os grandes peixes, com ganchos, como
os lobos num bosque frio.

Ficaríamos ali, tu e eu,

como colunas brancas, até que o fogo
nascesse de novo do fundo do oceano
e uma semente quisesse libertar a ilha
do temor e da sede.

Colados ao precipício, para sempre.

--

O Vulcão, o Dorso Branco
foi escrito por Jaime Rocha
e publicado pela Averno,
em Maio de 2013.

10 fevereiro 2014


"Não me interessa pertencer a um tempo de brilhantes e coloridos despojos de uma irreparável perda e confusão. Não quero que o meu trabalho faça parte desta vertigem de ignorância e consumismo, desta dessacralização do mundo e do milagre da vida. Não se trata de alheamento do tempo presente, bem pelo contrário: é por estar bastante informado sobre o tempo que me coube viver agora, neste mundo, que não me interesso por ele, nem quero ser refém dele. Acredito, como os antigos, que deve haver um significado único e superior por detrás de cada erva, flor, nuvem que passa ou criança que nasce. Para mim, a arte deve ser o espelho desta íntima relação, desse encantamento, dessa magia. Estou farto da lógica horizontal que nos impõe um olhar conformado sobre a banalização do mundo."


Rui Chafes

07 fevereiro 2014

um poema para matar o tempo

 
o meu coração tem vontade própria,
posso jurar-vos, em noites solitárias
nas quais o passo e o compasso são
dele e não meus (ou assim me parece).

como entre a arte e a ciência a faca
nunca chegou a decidir-se, lá meti pés
ao caminho e marquei umas consultas
(se ao corpo ou à alma, não percebi).

a gentil voz do outro lado do fio telefónico
(um telemóvel anacrónico), num tom treinado
por anos a fio de rotinas, perguntou 'se
podia ser no dia catorze de Fevereiro?'

e eu disse que sim, percebendo dali a
a nada que no Dia de São Valentim, tinha
um compromisso numa Clínica do Coração.

e fiquei ali a pensar na fina ironia da vida,
enquanto comia um croissant que não me
caiu bem. olha a grande novidade, leitor.

05 fevereiro 2014


na verdade, não é bem uma rapariga. all the rest applies, i think.